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AME: doença rara que tem tratamento

AME: doença rara que tem tratamento

 

Com pouco mais de três décadas de atuação na neuropediatria e dedicadas aos cuidados de pessoas com doenças neuromusculares, pude acompanhar as grandes etapas de aprimoramento na assistência da atrofia muscular espinhal (AME). Se no passado muitas famílias buscavam um acolhimento e dedicação do profissional para garantir a melhor qualidade de vida às pessoas com AME, hoje procuram, adicionalmente, acesso mais amplo a tratamentos.

 

A atrofia muscular espinhal, também conhecida como AME, é uma doença rara. Como tal, na formação dos diferentes profissionais de saúde, não consta como conteúdo específico das disciplinas de graduação. Mas o seu reconhecimento e preparo dos profissionais, para a condução dos cuidados de pessoas diagnosticadas com AME, torna-se fundamental quando existe um tratamento a ser iniciado o quanto antes possível.

 

Trata-se de doença genética, neuromuscular, de evolução progressiva, com repercussões sistêmicas. A partir de uma alteração de um gene chamado SMN1, a produção de uma proteína imprescindível para as células nervosas passa a depender do gene SMN2, que só consegue fabricar uma proteína instável. Isso ocasiona o mau funcionamento das células. O músculo, responsável pelos nossos movimentos, torna-se pouco acionado pela disfunção dos neurônios motores, o que se manifesta como fadiga e fraqueza muscular. Além de comprometer a locomoção, funções vitais como respirar e alimentar-se podem ser prejudicadas.

 

Existe uma relação entre a quantidade de proteína que o gene SMN2 consegue produzir e a gravidade da AME, isso se reflete na idade de início e velocidade de progressão dos sintomas. Quanto mais proteína, mais tarde a doença aparece e mais lentamente ela piora o estado da pessoa com AME. Para facilitar a compreensão, profissionais da saúde classificaram a AME em diferentes tipos, em função de seu início e gravidade. Dessa forma temos três tipos principais: AME tipo 1 tem início dos primeiros sintomas até 6 meses de vida, progressão muito rápida, impedindo que a criança consiga adquirir a capacidade de sentar; AME tipo 2 tem início entre 6 e 18 meses, progressão intermediária, impedindo que a criança consiga adquirir a capacidade de caminhar sozinha; AME tipo 3 tem início após os 18 meses de vida, podendo, inclusive, se manifestar durante a adolescência ou vida adulta, com a aquisição da marcha, de evolução mais lenta, mas com perda da capacidade de andar ao longo dos anos.

 

Para confirmação do diagnóstico da AME, o ponto de partida é o reconhecimento do atraso do desenvolvimento motor, quedas frequentes ou dificuldade de correr e pular. O encaminhamento correto ao especialista que possa avaliar, solicitar o exame genético e encaminhar para a equipe multidisciplinar é a etapa seguinte, o que nem sempre ocorre com a agilidade necessária. Esse conjunto de ações, iniciadas o quanto antes no curso da doença, garantirão melhor percurso.

 

Ao confirmar a AME como causa do desvio no desenvolvimento motor, temos atualmente a possibilidade de ir além da terapia multidisciplinar não medicamentosa, utilizando medicamentos modificadores da doença, com registro aprovado em território nacional. São todos tratamentos que buscam, em última análise, aumentar a quantidade de proteína SMN no corpo de pessoas com AME e, dessa forma, tentar impedir o avanço da doença. Os tratamentos medicamentosos diferem na sua forma de administração, alguns requerem hospitalização e existe um de uso oral em casa, mas, em todos os casos, parar a progressão da doença no seu início traz muito mais benefícios que intervir quando já causou muito dano.

 

Apesar de rara, sendo o Brasil um país populoso, temos um número expressivo de nascimento de bebês com AME todo ano — cerca de 300 com base na incidência estimada de nascidos vivos nas últimas estatísticas, e um número ainda mais expressivo de pessoas convivendo com AME — mais de 2 mil com base na prevalência estimada e nossa população. Desta forma, o esforço em reconhecer potenciais casos suspeitos, avaliar a possibilidade do diagnóstico, e ao confirmá-lo seguir os cuidados preconizados, garantirá uma orientação mais precoce às pessoas com AME e, assim, a possibilidade de lhe garantir melhor capacidade motora e melhor qualidade de vida.


 

Alexandra Prufer de Q. C. Araujo Professora associada de neuropediatria da UFRJ - Foto: Cris Goulart/Divulgação – Correio Braziliense


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