Rubem Valentim, um dos mais importantes artistas brasileiros
modernos, morou em Brasília, de 1967 até a década de 1980. Não foi uma passagem
em brancas nuvens. Valentim marcou e foi marcado por Brasília. Sob o impacto da
cidade espacial, as pinturas inspiradas nos signos da cultura afro-brasileira e
ameríndia saltaram da tela e se transmutaram em esculturas, totens e altares.
O recém-lançado livro Rubem Valentim – Sagrada geometria
(Edições Pinakotheke), organizado por Bené Fonteles, traz um precioso texto do
crítico Frederico Moraes sobre a estada brasiliana do artista baiano. Valentim
era um mulato franzino, meio calvo, elétrico, impaciente, urgente e marrento.
Ao fim da primeira entrevista que fiz com ele, Valentim
agradeceu e pediu para que eu mostrasse a ele o texto antes de publicar.
Respondi com um não contundente e ele ficou irritado. Hoje, eu teria mais
habilidade para resolver a pendenga e talvez pudesse tê-lo ajudado mais no
projeto de criar uma fundação para abrigar a sua obra em uma casa no Lago Sul.
No entanto, o contato com a espacialidade de Brasília foi uma fatalidade da arte, segundo Frederico. É na perspectiva de Brasília que a arte de Valentim se afirma plenamente: “Ali realizou obras antológicas e definitivas e foi o seu momento de maior originalidade até agora. Por sua posição radial em relação ao país e ao continente, Brasília capta os significados mais profundos de nossa terra, de nossa nacionalidade, de nosso destino no mundo”.
É em Brasília que Valentim passa a recortar os signos de sua
pintura em madeira para construir os relevos em forma de altares. E, mais do
que nunca, salienta Frederico, suas obras desejam o convívio com a arquitetura
e o urbanismo, no espaço-tempo da cidade, abrir-se ludicamente à participação
do público.
Tenho a impressão de que o argumento do crítico italiano se
encaixa perfeitamente ao caso de Brasília. Construída por artistas e por um
presidente com alma de artista, a capital tombada como patrimônio cultural da
humanidade deveria não apenas cuidar da manutenção da arquitetura, mas, também,
incorporar novas obras como uma riqueza a ser partilhada coletivamente.
Rubem Valentim foi vítima da ignorância de excelências
desamantes da arte. Mas o caso dele é importante para uma reflexão sobre o
futuro da cidade. É preciso que se forje uma nova mentalidade sobre a
relevância da arte como fator de enriquecimento coletivo e humanização da
cidade: “Um povo pode ser dominado economicamente, o seu território pode até
ser ocupado e conquistado pelas armas. Mas o que ele não pode fazer é entregar
a sua alma, seu sentir, sua poética, sua razão de ser. Assim eu acho que no
Brasil, hoje, temos de defender nossa alma”, disse Valentim.