O primeiro verso de Todo amor que
houver nessa vida, de Cazuza e Frejat, resume o sentimento que muitos de nós
carregamos: ter a sorte de encontrar um amor tranquilo. Se mesmo para os dois
músicos que viveram tão intensamente tantos momentos, era importante encontrar,
no fundo, certa paz e constância, imagine para nós, anônimos.
É que o amor carrega em si certa
intensidade difícil de explicar. Não é a mesma que a da paixão e, portanto,
diferente também daquela trazida pela raiva. Trata-se da capacidade de nos
sugar para uma espiral de outros sentimentos avassaladores e assustadores e,
ainda assim, nos deslumbrar com a potência de um gesto ou palavra do ser amado.
Vale para qualquer relação: entre pais e filhos, tios e sobrinhos, avós e
netos, companheiros de vida, namorados, amigos…
Na mesma música, os compositores
começam a tecer a receita ideal para lidar com esse furacão. A tranquilidade é
apenas um dos ingredientes essenciais. Mas no caldeirão também vem uma pitada
de veneno “anti-monotonia”. É claro que, no caso da canção, está em questão o
amor romântico. Quantos de nós não nos identificamos com esse retrato
particular?
Houve quem transformasse também o
amor pelo samba em canção metalinguística de beleza sem igual. “Se um dia / Meu
coração for consultado / Para saber se andou errado / Será difícil negar / Meu
coração / Tem mania de amor / Amor não é fácil de achar / A marca dos meus desenganos
ficou, ficou / Só um amor pode apagar / A marca dos meus desenganos ficou,
ficou / Só um amor pode apagar”, escreveu e cantou Paulinho da Vila para a sua
Portela.
Já Martinho da Vila homenageou
justamente um amor do passado. “Ex-amor/ Gostaria que tu soubesses / O quanto
que eu sofri / Ao ter que me afastar de ti / Não chorei! / Como um louco eu até
sorri / Mas no fundo só eu sei / Das angústias que senti”, sangra a primeira
estrofe da composição.
E nada mais potente que esse
sentimento universal. Em todos os cantos do Globo, como no Velho Continente,
sob a pena certeira de Shakespeare, também sofreram e regojizaram os corações
que ousaram se encantar em encontros mágicos e sem explicação. “Pois toda essa
beleza que te veste / Vem do meu coração, que é teu espelho; / O meu vive em
teu peito, e o teu me deste: / Por isso como posso ser mais velho?”
Ter a sorte de um amor tranquilo é
realmente um privilégio.