O Plano Piloto. Mais da metade dos moradores da invenção de Lucio Costa, 63,6%, veio de fora, a maioria (em ordem decrescente) de Minas, Rio, Goiás e São Paulo.
O Plano é a
terceira cidade mais branca do quadrado, só perde para o Lago Sul e o Sudoeste.
É também uma das
de melhor renda média domiciliar, R$ 14 mil. Sete vezes maior do que a menor, a
do Sol Nascente/Pôr do Sol, que é de R$ 2 mil. Dado não surpreendente mas
assombroso para uma cidade que nasceu de um ideário tão humanista. Mas Brasília
é Brasil, são Brasis, como escreveu Gilberto Freyre.
Os números da
mais recente PDAD, a Pesquisa de Amostra Domiciliar feita pela Codeplan, são
assustadores: a renda média domiciliar no Lago Sul é de R$ 31 mil, trinta e um
mil reais, o dobro da renda média doméstica da Noruega!
Durante muitos
anos eu animei minha vida pessoal e profissional habitando, fruindo e flanando
pelo Plano Piloto, como se eu finalmente tivesse conseguido escapar das dores
de viver num país tão desigual. Conheci e entrevistei alguns dos heróis da
construção de Brasília, de arquiteto a furador de buraco, de paisagista a
quebrador de pedra e de todos ouvi o canto que me embalava: a utopia, a esperança,
a loucura santa, a afirmação de um povo e de uma Nação.
É muito bom ter
uma Lua onde pendurar os sonhos e escapar das danações da Terra. E a ideia de
ocupar o centro do Brasil, de erguer uma capital com o gênio, a força e a
inventividade brasileiras era uma Lua bonita demais, irresistível para quem
precisa muito de devaneios, sem os quais nenhum ser humano sobrevive com
razoável sanidade.
Mas as coisas
foram dando mais errado do que certo e tanto e tanto que nem os brasilienses
nascidos em Brasília têm o direito de morar no Plano Piloto. A absoluta maioria
deles mora nas cidades-satélites mais distantes, ou RAs, como queiram. E têm os
mais baixos rendimentos, e são na maioria pretos e pratos. Aos brancos foram
destinados o Lago Sul, o Norte, o Sudoeste, o Plano, Águas Claras.
Um exemplo, só
um escolhido a esmo do fracasso da utopia moderna: os moradores do Riacho Fundo
I e II há décadas reivindicam um viaduto no balão de acesso às duas cidades, de
quem vem do Plano Piloto. Só agora apareceram uns tapumes, enquanto as obras do
viaduto do Sudoeste para facilitar o acesso ao Plano, anda na velocidade da
construção de Brasília, todo dia tem um buraco maior.
Um último
exemplo catado no afeto: um grande amigo goiano, morador do Sol Nascente, que
passou mais de 40 anos no trabalho pesado, precisa de uma cirurgia no SUS com
razoável urgência. Todos os médicos lhe disseram a mesma coisa: a rede pública
de saúde da capital do país está em penosa decadência, vá pra Goiânia, lá está
muito melhor.
Da capital da
esperança, restaram umas páginas de livro e uns retratos na parede, como diz o
poeta.