No último dia 12, o jornal
registrou a passagem de 120 anos de Juscelino Kubistchek. Embora tentem
soterrar JK na chapa-branca, ele é um grande personagem do Brasil. Atropelava
tudo com o entusiasmo e a fé invencíveis, que moviam montanhas de empecilhos.
Era um Dom Quixote de Minas, idealista, mas pragmático. Na virada dos anos
1950, pegou o Brasil quebrado economicamente, deprimido do ponto de vista do
ânimo e traumatizado com o suicídio de Getúlio Vargas.
Sempre penso que demorei três anos
para construir, aos trancos e barrancos, uma casa em um condomínio. JK ergueu
Brasília, uma cidade modernista, no ermo, em três anos e oito meses. É certo
que ele tinha dinheiro para bancar a aventura, e eu não. Mas, mesmo assim, a
performance épica provoca o espanto.
Há uma cena, evocada por JK no livro Por quê construí Brasília, extremamente reveladora da determinação, do visionarismo, do senso prático e da fé do homem que transformou o vago sonho de Brasília em realidade concreta. Em 1956, ele veio visitar o sítio onde seria erguida a capital modernista. Naquela época não havia aeroportos que permitissem o acesso direto ao Planalto Central.
O mais razoável seria aterrissar
em Goiânia, embarcar em avião teco-teco até Planaltina e, em seguida, chegar
até o local onde está situado hoje o bairro do Cruzeiro. No entanto, Bernardo
Sayão, o vice-governador de Goiás, havia construído um aeroporto com uma pista
de 2.500 metros no meio do cerrado inóspito. JK ordenou que o avião pousasse no
local. A aeronave da FAB rangeu, rodopiou e estacionou em uma nuvem de poeira.
De dentro, saiu a comitiva
presidencial como se desembarcasse no planeta Marte. Eram mais de 30 pessoas,
todas metidas em ternos impecáveis. Um cartaz anunciava, com toda pompa: “Pista
de Vera Cruz”. Nenhum deles conseguia esconder a estupefação, a desolação e o
ceticismo. Entre outros, estavam o embaixador Octávio Dias Carneiro, Israel
Pinheiro, Oscar Niemeyer, Ernesto Silva e os generais Henrique Teixeira Lott e
Nelson de Melo.
JK trocou ideias com Niemeyer e
demarcou no ar o local do futuro núcleo pioneiro, com o vazio engolindo tudo.
Os assessores viam mato intratável e JK vislumbrava uma cidade modernista
inteira, com palácios, edifícios e casas residenciais em pleno funcionamento.
Enquanto isso, os assessores fingiam concordar com tudo, mas, no fundo, achavam
que o chefe havia enlouquecido de vez.
O general Lott não tinha papas na
língua e expressou o desapontamento: “O senhor vai mesmo construir uma cidade
aqui?” Imperturbável, Juscelino respondeu com o otimismo e o bom humor de
sempre: “Não só vou construí-la, general, mas vou transmitir a faixa
presidencial do meu sucessor já instalado aqui”.
Otto Lara Resende disse que
Brasília é resultado de quatro loucuras: a de Juscelino Kubistchek, a de Oscar
Niemeyer, a de Lucio Costa e a de Israel Pinheiro. A de JK tinha o poder de
contaminar a todos. Sem ela, Brasília não existiria: “Não nasci para ter ódio
nem rancores, nasci para construir”, dizia Kubistchek.
Fiquei pensando em JK por causa de
algumas intenções de votos registradas em pesquisas. Não é possível que todo
esse esforço tenha sido realizado para que Brasília seja ocupada por
oportunistas que são a anti-Brasília, a anti-utopia e o anti-Brasil.