Em recente viagem que fiz ao interior do Nordeste,
visitei alguns museus e lugares dedicados à temática do cangaço nos estados de
Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Bahia. Nesses locais, ouvi dos guias turísticos
e li nos quadros afirmações como: “Os cangaceiros foram vítimas do sistema”,
“Lampião foi um Robin Hood do Nordeste, que roubava dos ricos para dar aos
pobres”, “O cangaço foi a luta dos pobres sertanejos oprimidos contra ricos
coronéis opressores”, “Meninas-moças aderiram ao cangaço embevecidas pela
pujança e pelas festas”. Tais afirmações me causaram surpresa, pois distorcem
completamente a realidade dos fatos. Logo deduzi que há uma narrativa
desvirtuada de transformar Lampião em um herói do povo.
A verdade histórica é que o ciclo do cangaço se
originou na Região Nordeste no século 18 e não passou de um meio de vida
criminoso de homens foragidos e com sede de vingança, que buscavam o
enriquecimento ilegal por meio de violentas ações de sequestros, roubos,
torturas, extorsões, estupros e assassinatos, praticadas com extrema crueldade
indistintamente contra homens e mulheres, pobres e ricos e nada teve de luta de
classes. Atualmente, organizações criminosas do tráfico e da milícia adotam
semelhante modus operandi.
Para demonstrar a realidade de Lampião e do
cangaço, descrevo, em apertada síntese, alguns fatos:
Lampião e seus comandados se aliaram a vários
coronéis dos sertões, que lhes davam guarida e lhes forneciam armas e munições
a troco de proteção e serviços de pistolagem contra os desafetos, a exemplo dos
coronéis e chefes políticos Petronilo Reis, João Sá, Audálio Tenório, Antônio
Caixeiro, João de Carvalho, Manoel Brito entre tantos outros.
Extorsões mediante cerco e saques de pequenas
cidades, vilas, povoados e fazendas eram as formas mais comuns de a cabroeira
obter ganhos financeiros. Os sertanejos cercados, indefesos, ameaçados e
humilhados eram obrigados a entregar aos cangaceiros o pouco dinheiro que
economizavam para não serem mortos e terem os bens incendiados e destruídos.
Havia, ainda, a ameaça de estupros coletivos.
Assim ocorreu nas cidades de Piranhas (AL),
Souza (PB), Água Branca (PB), Santa Cruz da Baixa Verde (PE), Tupanaci (PE),
Cabrobó (PE), Ouricuri (PE), São José do Belmonte (PE), Mossoró (RN), Capela
(SE), Canindé (SE), Pedra Branca (BA), Queimadas (BA), Mirandela (BA), entre
outras. Nessas ações, os policiais que fossem capturados vivos enfrentavam a
morte por sangramento com punhais, à semelhança do abate de caprinos, em um
ritual que envaidecia Lampião.
No rastro dos crimes, Lampião e seus chefes
subordinados amealharam grandes quantias em dinheiro e em joias, que levavam
consigo ou deixavam sob a guarda de coiteiros e coronéis aliados, ou compravam
terras e fazendas. Na grota dos Angicos, local onde Lampião, Maria Bonita e
nove cangaceiros foram mortos, a Polícia de Alagoas encontrou quase quatro
quilos de ouro, além de farta quantidade de dinheiro em espécie.
O rapto de meninas-moças por cangaceiros era comum.
Dadá foi raptada por Corisco aos 12 anos, diante dos pais desesperados, sendo
estuprada na mesma noite do sequestro e mantida por 3 anos em cativeiro como
escrava sexual do bandido antes de ser obrigada a acompanhar o bando. Também
foram raptadas: Sila, aos 11 anos, por José Baiano, e Dulce, aos 15 anos, pelo
cangaceiro Criança.
O nível de maldade dos cangaceiros contra as
infelizes almas que lhes caiam nas mãos era digno dos piores psicopatas.
Lampião se divertia às gargalhadas ao mandar suas vítimas correrem antes de
serem abatidas com tiros pelas costas. José Baiano, o raptor de Sila, costumava
marcar com ferro em brasa as letras “JB”, no rosto, nádegas e virilhas das
mulheres que usavam cabelos curtos. Por mera suspeita de colaborar com a
polícia, um senhor teve os olhos arrancados a faca por Lampião, antes de ser
executado. Pobre, idoso e doente, José Alves Nogueira foi assassinado
covardemente com um tiro de fuzil pelas costas por Antônio Ferreira, irmão de
Lampião, antes de lhe roubar as alpercatas. O jovem Pedro José foi castrado
pelo cangaceiro Virgínio às vésperas do casamento, em virtude de um pequeno
desentendimento. Por causa de um bilhete forjado, Lampião e seus cangaceiros
massacraram 12 pessoas de uma mesma família de pequenos agricultores.
Nas décadas de 1920 e 1930, o flagelo do cangaço
que se abatia sobre a sociedade sertaneja nordestina teve grande repercussão na
imprensa nacional e internacional. Em 1931, o jornal americano The New York Times
publicou uma matéria que classificava Lampião como o maior bandido da América
do Sul. A gravidade era tal que cinco propostas de combate ao cangaço pelo
governo federal foram apresentadas por deputados nordestinos na Assembleia
Nacional Constituinte de 1934.
Os fatos acima descritos estão registrados em farta bibliografia por renomados historiadores. Assim, considerando-se que diante de fatos não há argumentos, não há outra resposta à questão formulada no título deste artigo que não seja Lampião foi bandido.