Sempre se ouvia do filósofo de Mondubim: “Ladrão de tostão é também ladrão de milhão”, ou “Ladrão endinheirado não morre enforcado”. Em homilia famosa, intitulada Sermão do Bom Ladrão, Padre Antônio Vieira já alertava no século 17, para esse problema, que de alguma forma encontraria no Brasil colônia um paraíso para seu pleno desenvolvimento: “os ladrões que mais própria e dignamente merecem este título são aqueles a quem os reis encomendam os exércitos e legiões ou o governo das províncias, ou a administração das cidades, os quais já com mancha, já com forças roubam cidades e reinos: os outros furtam debaixo do seu risco, estes sem temor nem perigo: os outros se furtam, são enforcados, estes furtam e enforcam.”
Foi a partir do estabelecimento do marco
civilizatório por essas bandas, em pleno período colonial que a miscigenação
das raças e etnias, necessárias para o processo de colonização dessas vastas
porções de terras no novo mundo, associadas a um tipo específico de exploração
intensa das riquezas, feitas por mãos escravas, num tempo em que leis e
direitos só beneficiavam as classes dominantes, que a corrupção encontrou
terreno fértil para prosperar.
Da formação original do Brasil até o nosso tempo,
não há período algum onde essa praga não tenha fincado suas unhas. Acreditem:
há mais de cinco séculos esta terra tem sido saqueada sem descanso. Espantoso é
notar que o país tenha sobrevivido a essa rapinagem sistemática por tanto
tempo, e mesmo no século 21, quando veio à tona o maior e mais volumoso caso de
corrupção de todos os tempos, ainda se avistam pelas classes políticas mais e
mais recursos públicos que podem ser saqueados sem cerimônia, sob o olhar
complacente dos tribunais.
A solução para esse mal histórico, poderia
encontrar alguma saída mais segura e duradoura através de um processo intenso
de educação de qualidade para todos. Haveria alguma relação visível entre o
modelo de educação pública seguido pelo Brasil nos últimos tempos e o alto grau
de comprometimento das grandes empresas nacionais em práticas de
corrupção, mostrado pelas investigações correntes do tipo Lava-Jato?
Se à primeira vista estas questões parecem dissociadas umas das outras, observadas mais de perto o que se verifica contudo, é que, na origem dos modelos do comportamento reprováveis seguidos pelas empresas e por suas lideranças, se acham enraizados também, posturas e arquétipos herdados lá trás, ainda nos primeiros anos de escola. Não que o modelo de educação tenha contribuído, de forma ativa para formar cidadãos insensíveis às boas práticas. Mas o modelo de educação, seguido em nossas escolas, de alguma forma tem sido, para usar uma expressão corrente, leniente nos assuntos relativos à formação ética, deixados de lado e suplantados por outros aspectos de natureza mais informativos.
Em outras palavras, nossas escolas, têm dado relevo
e ênfase apenas aos conteúdos relacionados na grade curricular, relegando a
segundíssimo plano a parte formativa relacionada diretamente ao comportamento
humano e baseado nos princípios da ética e das boas práticas. Ensinam
matemática, mas fecham os olhos para os deslizes de comportamento dos alunos no
dia a dia, e ainda acabam por estimular estas más condutas, ao não exercerem,
de fato, a autoridade e a disciplina, assuntos que nos dias correntes se
transforam em verdadeiros tabus. A falsa crença de que liberdade sem limites
serve aos propósitos de uma escola moderna, tem mostrado seus resultados. O
crepúsculo paulatino da autoridade do professor, como indutor principal do
processo educativo, acabou por ceder lugar a um modelo de escola onde os alunos
passaram a ser considerados soberanos e únicos atores de seus destinos. A
partir desse ponto, já se prenunciavam tempos difíceis à frente. As revelações
trazidas à tona pela sequência de investigações da polícia e do Ministério
Público e posteriormente a implementação com a Lei Anticorrupção de 2014, estão
forçando agora as empresas brasileiras a se ajustarem à um novo tempo onde a
transparência e as boas práticas, não só nas relações humanas, mas inclusive
com o próprio meio ambiente são elementos fundamentais para se manterem vivas
no mercado.
Essa adoção tardia do modelo de compliance nas
empresas, obrigando-as a agir em conformidade com as normas da ética e da
transparência, reflete o descaso com que nosso sistema de educação e ensino tem
tratado do assunto. É possível que o corrupto de hoje, flagrado e algemado
pelas autoridades, exposto a humilhação pública tenha sido outrora um bom aluno
em matemática ou biologia. Mas é quase impossível que tenha sido educado para
respeitar o próximo e o que pertence a cada um.
O que operações como a Lava-Jato demonstraram na prática, é que nossas elites dirigentes e todos aqueles que se vêm hoje implicados em rumorosos casos de corrupção, podem ter frequentado escolas de ponta, mas não aprenderam nada, não esqueceram nada. Mesmo que se acredite que a formação histórica e atípica do Brasil, tenha favorecido a germinação das sementes da corrupção o fato é que ao longo de sua evolução, jamais houve um esforço sincero, vindo de cima da pirâmide social, capaz colaborar para o fim dessa prática.