Nos primeiros meses de 1991 Cássia Eller e Victor Biglione gravaram um
disco de canções consagradas do rock e blues. Recém-contratada pela Polygram, a
cantora mineira, ainda pouco conhecida na cena musical carioca, se encontrou em
estúdio com o guitarrista argentino — radicado no Rio de Janeiro desde a
infância — que já possuía trabalho bem avaliado.
Ao fazer o registro do álbum, intitulado Cássia Eller e Victor Biglione
in blues, os dois tiveram a companhia de uma autêntica big band, com direito a
naipe de sopros. O resultado foi muito elogiado, mas a gravadora optou por não
lançá-lo. Max Pierre, o diretor artístico da empresa na época, argumentou, para
justificar a decisão, que Cássia poderia ficar estigmatizada como cantora de
rock. Obviamente, ele não imaginava o que viria a acontecer mais à frente.
Curioso é que logo após a gravação os dois fizeram alguns shows no Circo
Voador, cumpriram temporada no extinto Jazzmania, participaram do Free Jazz
Festival e mostraram esse trabalho em apresentação durante a Rio 92 —
Conferência das Nações Unidas Sobre Meio Ambiente. Em todos os eventos
receberam aplausos calorosos do público.
Três décadas depois, no dia em que Cássia completaria 60 anos —
sexta-feira última — o CD chegou às plataformas digitais, trazendo no
repertório clássicos de como I'm your Hoochi Coochie Man (Muddy Watters), I
ain't superstitious (Willie Dixon), Prison blues (Chris Farlowe e Jimmy Page),
If six was nine (Jimi Hendrix), Got to get you into my life (John Lennon e Paul
McCartney).
Conheci Cássia quando, no fim da década de 1980, ela cumpriu longa
temporada no bar Bom Demais, na 706 Norte. Eu via Cássia como uma intérprete de
enorme potencial, com um timbre diferenciado. Ela impressionava também pela
versatilidade que exibia, indo da MPB tradicional a criações de compositores da
chamada Vanguarda Paulistana, de forma personalíssima.
Pude constatar o virtuosismo de Biglione, inicialmente, no show Gal
Tropical, em 1979, na piscina coberta, mais tarde transformado no ginásio de
esportes Cláudio Coutinho. Em determinado momento do espetáculo, a voz
afinadíssima da cantora e o som dilacerante da guitarra do instrumentista
"duelavam" em Meu nome é Gal, que Roberto e Erasmo Carlos compuseram
para a musa da Tropicália.
São grandes e indeléveis momentos proporcionados por artistas da música
popular brasileira e pelo showbizz nacional que estão armazenados na minha
memória afetiva. Este, que reuniu Cássia Eller e Victor Biglione, sem dúvida, é
um deles.