Eu sou brasileiro há 56 anos pelos meus bisavós prussianos emigrarem há 161 para tentar melhorar de vida. Eu também sou brasileiro pelos meus tios-bisavós italianos que vieram cuidar dos órfãos de imigrantes e de ex-escravos em São Paulo, há 124 anos, enquanto o outro lado italiano da família da minha mãe escolheu o Brasil em vez da Austrália para ganhar o que a Itália vinha perdendo de gente e riqueza.
Sou brasileiro com muito orgulho pelo casamento de
italianos e alemães neste país. Aqui fizeram família e casa. Sou tão brasileiro
quanto italiano e alemão.
Torço pelo Brasil mais do que pela Azzurra e pela
Nationalmannschaft. Chorei com Sarriá em 1982 e vibrei com Rose Bowl em 1994.
Comemorei a final de 2002, como caí de sete em 2014. Nesta Copa, lamentei tanto
o Brasil saindo quanto a Itália nem chegando.
É torcida. É Copa. É gosto. Como pizza é como Copa.
Até quando é ruim é ótima. Qualquer joguinho de Copa é como qualquer pedaço de
pizza. É uma delícia. E, como pizza (tirando a portuguesa…), qualquer escolha é
aceitável. Ninguém é mais ou menos por preferir calabresa a mussarela. Você
pode torcer pelo Messi e pelo Cristiano. Pode vibrar pela França e torcer
contra a Argentina. Ou torcer pelo terceiro colocado e nem assistir à
finalíssima esperada em Copa de zebras, mas de aguardadas certezas: Messi ou
Mbappé farão a festa merecida.
Torcer é escolha individual mais coletiva que
existe. Sempre se justifica, não se justiça. Ninguém pode ser cobrado por
torcer ou por não torcer. Não é modinha, nutella, raiz ou berço. É gosto.
Também desgosto. Em 2018, minha filhota torceu pelo Uruguai por achar o Muslera
um gato (?!), e ficou brava em 2022 por não ter Piquerez. Uma tia torceu pela
Rússia pelo passado comunista. Uma amiga é França pelo jogo do Mbappé e pela
beleza do Griezmann. Mas seria contra se fosse o país governado pela Le Pen.
Filha de um amigo chorou pela Coreia do Sul do BTS. Um amigo quer conhecer o
Marrocos por causa do Bono (e, confesso, já torci mais do que devia pela
Irlanda por causa de outro Bono…).
Eu sou sempre Brasil por questão de berço. Jamais
deixaria de ser pelo presidente de plantão, de coturno ou não. Sou sempre
Itália e Alemanha depois do meu país pela raiz dos meus pais. Sou Holanda
quando dá desde 1974. E troco de camisas como quem troca de roupa quando alguns
times trocam a bola com categoria ou bravura. Como a França muitas vezes. A
Hungria de 1954. E algumas equipes que torço independente da camisa. E do
governante da ocasião.
Torcer é assim. Não exige razão. Só não tem a menor
razão quem exige coerência ou motivo para torcer. Quem cobra quem torce por um
país, uma equipe, um clube, um craque, um gato, uma biografia. Também não pode
exigir que se torça por um continente, um regime, uma economia, uma ideia ou se
torça e se force contra um político, um povo, um rival. Não se cancela quem
ama. Não se patrulha paixão.
Futebol é plural. Torcida é emoção. Quem exige
razão não tem juízo.