A misoginia está entranhada na sociedade
brasileira. Qualquer que seja o indicador avaliado, mesmo sendo maioria da
população, as mulheres estão sempre em condições de inferioridade. Isso é
visível, sobretudo, no mercado de trabalho, em que homens, tradicionalmente,
ocupam as melhores posições e recebem salários muito maiores, ainda que elas
desempenhem as mesmas funções. Não há exceção.
As distorções, absurdas, estão escancaradas no
comércio, na indústria, no setor de serviços, no campo, na política, no
Judiciário, na ciência. Não importa se as profissionais tenham mais anos de
estudos, capacidade técnica, anos de experiência. Em qualquer seleção, o homem
branco, preferencialmente, ficará com a melhor vaga. Basta ver a composição dos
quadros de pessoal das empresas e de instituições de Estado. Um atraso
inaceitável numa sociedade tão diversa.
É verdade que, nos últimos anos, por disposição das
próprias mulheres em fazer valer seus direitos, alguns avanços foram
registrados. Mas, reforce-se, são poucos. Não é possível, por exemplo, que, em
107 anos de existência, somente agora a Academia Brasileira de Ciências (ABC)
tenha como presidente uma mulher. Dos 579 membros titulares da entidade, 115
são do sexo feminino, menos de 20% do total. Essa realidade se repete em vários
países.
No Judiciário, o quadro não é diferente. Pesquisa realizada em 2022, pela Ajufe Mulheres, em parceria com a Universidade de Oxford, do Reino Unido, aponta que, apesar de haver uma participação feminina maior nos tribunais, o Brasil apresenta taxas de diversidade de raça e de gênero abaixo da média global. Enquanto, no mundo, as mulheres são 26% dos representantes nos tribunais constitucionais, no país, não passam de 11%. Ao longo da história, o Supremo Tribunal Federal (STF) teve apenas três mulheres e três negros como ministros. Nunca houve uma mulher negra na Corte.
O mesmo estudo revela que, no geral, a
representatividade feminina no Judiciário (38,8%) está muito abaixo da
proporção de mulheres na população do país (51,6%). Mais: só 6% dos juízes
federais são mulheres negras. Essa realidade prejudica, inclusive, a visão que os
magistrados devem ter da sociedade. Vários deles, inclusive, vivem em bolhas, o
que pode ser medido pelos resultados das sentenças, com prevalência de decisões
contrárias a cidadãos pobres e pretos. Uma das juízas ouvidas no levantamento
foi definitiva: “Quanto mais diversos forem os tribunais, as cortes, melhor
será a qualidade da decisão e do serviço oferecido a uma sociedade complexa
como a nossa”.
Quando se olha para os cargos de liderança nas
empresas, houve retrocessos durante o período de pandemia: as mulheres perderam
1% dos postos de comando, caindo para 38% no ano passado. Dados do ranking
global realizado pelo International Business Report, da Grant Thornton, indicam
um alento, pois o índice brasileiro está à frente da América Latina (35%), mas
ainda é baixo o nível de monitoramento de questões como promoção de mulheres
(34%), número de funcionárias (29%) e contratações femininas (38%). Há, entre
as companhias ouvidas, disposição para novas práticas que resultem em mais
mulheres em cargos de comando, sobretudo por pressão de acionistas.
Enfim, amanhã, 8 de março, Dia Internacional da
Mulher, haverá pouco a comemorar, em especial, pelo aumento desenfreado da
violência por questão de gênero. O feminicídio se tornou uma praga. A sociedade
não pode normalizar os assassinatos cometidos, principalmente, por atuais ou
ex-companheiros. O machismo, que alimenta a sensação de posse, deve ser
combatido de todas as formas. As mulheres têm o direito de ser o que quiserem,
viver como acharem melhor, conquistar os postos de trabalho que desejarem,
executar as funções para as quais foram preparadas, com todo mérito e
reconhecimento, sem que passem por julgamentos a todo momento. Foi-se o tempo
de elas pedirem licença para tudo. A força está com as mulheres, o mundo é
delas.