Cachaça misturada com limão e
mel. Esta era a receita de um “remédio” difundido para combater os efeitos da
gripe espanhola que, por dois anos e três meses, matou mais de 35 mil
brasileiros no início do século passado, incluindo o presidente da República,
Rodrigues Alves.
Não se sabe se alguém foi salvo
com essa fusão, mas quando alguém teve a ideia de substituir o mel por açúcar e
acrescentar umas pedrinhas de gelo surgiu a caipirinha, o drinque mais
brasileiro. Foi a herança que a terrível doença deixou ao país.
Da covid não ficou nada. Com a
decretação do final da pandemia pela Organização Mundial da Saúde, só temos o
luto pelas 700 mil vidas brasileiras perdidas em mais de três anos de más
notícias. Houve muitos “remédios” malucos, alguns inclusive usando ingredientes
há muito conhecidos nos botequins, principalmente o quinino.
O quinino vem de uma árvore
originária das encostas dos Andes e serve de base para um eficaz medicamento
contra a malária. Andou sendo usado contra a covid, mas sem qualquer
comprovação científica, virou disputa política. Em outros cantos da vida, não
há polêmica em relação ao produto.
O que se sabe é que a casca da
quina – a árvore foi batizada em homenagem a uma condessa espanhola que teria
sido curada por ela – faz bem à saúde. E é uma velha frequentadora das
prateleiras mais altas dos botequins.
Lá estão Ferro Quina (Peretti ou
F.Q.F. Ferrari), vinho quinado Dubar, Kina San Clemente e Rabo de Galo
(aguardente composta com quina), entre outras garrafas nacionais e importadas.
Todos fazem parte da família dos amargos (ou bitters), aperitivos para abrir o
apetite, sugar as bochechas e exercitar a careta, que podem ser servidos à
temperatura natural ou bem gelados, ao gosto do freguês.
São excelentes acompanhantes de
cerveja, podendo ser degustada entre goles, tanto para melhorar o grau (o teor
alcoólico varia entre 25% e 40%) como para realçar o sabor e o desejo de
enxugar especialmente as ale ou pilsen, que são mais leves.
Como se vê, é notícia velha –
tão velha que Ferro Quina tinha parado de ser fabricada no Brasil, mas
recentemente voltou para assumir seu posto ao lado de outros “preparados” e
“aperitivos”, como Paratudo, Pracura, Cynar, Nordestina, Maranhense e outros,
todos criados a partir de raízes amargas que, dizem os mais antigos, também
fazem bem à saúde e ainda trazem o apelo de reacender a libido, espécie de
viagra líquido.
O fato inapelável que a pandemia
não colaborou em nada para a nossa cultura de botequim. Talvez a polêmica com a
cloroquina tenha desanimado o pessoal, talvez os barmen não tenham encontrado
nenhuma inspiração para produzir um drinque com o poder de fogo (literalmente,
aliás) da caipirinha.
Mas há sempre alguém para
quebrar o gelo e Doutor João, no balcão do bar, propôs a criação de um drinque
baseado numa dose de F.Q.F. Misturou com xarope de amêndoa (uma dose completa),
um copinho de limão espremido e meia dose de um vinho sauvignon blanc que já
estava aberto. Não ficou ruim.