O ambiente dos botequins pode assustar aos incautos,
principalmente a quem torce o nariz para aquela descontração toda. Mas é
preciso compreender que ali – incluindo a classe dos pés-sujos – também há uma
etiqueta, o que, conforme os franceses ensinaram, é aquele conjunto de normas
cerimoniais que controlam o comportamento adequado a cada situação social.
Coisa de gente fina.
Não obedece aos mesmos parâmetros
que as moças de boa família encontravam no Socila, o mais badalado curso de
boas maneiras e elegância do país, que hoje oferece até aulas via computador,
prometendo 12 segredos infalíveis para causar boa impressão. Também não chega
ao nível de detalhamento do Jornal das Moças, antiga
publicação com artigos e dicas para as casadoiras.
A etiqueta do botequim é um
conjunto de normas que garante a boa convivência entre os frequentadores, um
povo eclético, difícil, cuja beligerância aumenta de acordo com o esvaziamento
dos copos. São, na prática, regras de armistício.
Uma delas é o tratamento
dispensado ao atendente. Se for o proprietário, é preciso cuidado porque
normalmente são pessoas calejadas pelos chatos que são atraídos como moscas na
vitrine de petiscos. Esses calos não engrossam apenas a pele, mas o caráter, o
que muitas vezes é confundido com grossura, mas outras é ignorância pura mesmo.
Regra número um: não chame o
atendente de psiu. É ofensa grave. Faça como o pessoal do Skank: chame de
chefia, amigão, tio, brother, camarada – mas nunca de “ô”, “pist”, ou qualquer
outra onomatopeia. O mais educado é perguntar o nome e trata-lo por ele; é
garantia de bom atendimento, copo limpo e petisco intacto.
Outra norma importante vai na
contramão da etiqueta formal: o palito. O ato de esgaravatar os dentes fez com
que dentistas e dândis se unissem e formassem uma liga contrária. E palitos,
nem aqueles que vêm embrulhadinhos, são permitidos em mesas de gente bem. No
boteco é o contrário. O palito é o que mantém aquele bife a rolê do mostruário
firme, enrolado na cenoura, e ainda serve para retirar o fiapo que ficou entre
os dentes.
O palito é também usado para
passar o tempo no jogo de porrinha, para tirar caraca de baixo da unha, riscar
a toalha de papel vegetal na mesa, até para segurar guardanapo sobre o petisco,
antes da mosca pousar. Se nos restaurantes não se usa palito nem no banheiro
com a luz apagada, como ensinava Danuza Leão, nos bares eles são insubstituíveis.
Outro elemento importante, que
exige uma técnica especial é a cordinha da descarga do banheiro. Boteco raiz
não tem urinol preso na parede. As necessidades são feitas num único lugar: a
privada. Mas é preciso dar descarga; e aí vem a dúvida: a cordinha para liberar
a água deve ser pega por onde? Na pontinha? Lá em cima? No meio? Tudo
encardido. Melhor usar papel higiênico e puxar.
Por fim, uma regra básica: não
reclame da comida. Não se devolve prato por causa de um bife com nervo ou fora
do ponto, como em restaurante. O substituto pode vir com sabor de vingança;
ácido, amargo e, às vezes, pegajoso.