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O ódio que nasce do ócio

O ódio que nasce do ócio

Não sou filósofo nem nada, não tenho paciência para estudar seres humanos e suas idiossincrasias, muito menos de observar gente esquisita, mas uma coisa eu posso garantir: não existe essa coisa de ócio criativo que o filósofo Domenico de Masi inventou e propagou. Fico sempre com a máxima da vovó: cabeça vazia é oficina do diabo.

Ficar à toa, ocioso, é garantia de fazer besteira porque contemplação tem limite e logo o sujeito está procurando alguma coisa para matar o tempo. E é no tédio que mora o perigo. Aconteceu outro dia, na frente do bar: o rapaz viu um monte de mato seco que havia sido cortado, mas não foi retirado, e resolveu tacar fogo. Quase deu em tragédia.

É assim que jovens botam fogo em mendigos, velhos criam confusão em qualquer fila e tanta gente fala bobagem e puxa briga pelas redes sociais.

Nesse último caso, é tanta opinião que a primeira consequência é que ninguém mais entrevista o Caetano Veloso. O grande artista perdeu relevância a partir do momento que todo mundo passou a dar pitaco sobre qualquer coisa, como ele fazia num passado pré-twitter e assemelhados.

Pitaco vem de Pítaco, um dos sete sábios da Grécia antiga, que na verdade eram pelo menos 22, mas está nas listas de Higino, Plutarco e Platão. É mais do que gênios como Pitágoras e Míson, igual ao matemático Tales, de Mileto e o filósofo Bias, de Priene.

Ao contrário deles, que sabiam o que dizer e da forma mais concisa – “a certeza é precursora da ruína”, de Tales; “não faças o que não gostaria que te façam”, de Pítaco – os palpiteiros de hoje preferem vociferar a construir.

E a corrente do ódio nasce exatamente dessa falta do que fazer, dessa necessidade de cuidar da vida dos outros antes de cuidar da própria, sem que haja qualquer sentido de solidariedade nessa atitude, já que não se trata de ajudar a ninguém; a preferência é difamar, destruir e vilipendiar qualquer um, usando a lógica do pichador que, sem talento para pintar, distribui feiura.

É como diz o velho goiano rabugento da piada: “água que não bebo eu sujo”.

A oficina do diabo se manifesta aqui mesmo na cidade com o aparecimento de alguns blogs de autoproclamados jornalistas, que estão se especializando na chantagem eletrônica. Se não pingarem caraminguás, vale qualquer coscuvilhice para tentar destruir reputações. São movidos pelo despeito e pela grana.

São pichadores da honra alheia, sem qualquer compromisso com a verdade, decência ou caráter. Com a cabeça vazia de intenções positivas, tentam ser o próprio diabo. Tolos são os que acreditam nessas pichações em formato; mais tolos são os que se importam com elas

Nada novo. No livro Os Perigos do Imperador, que narra um atentado de republicanos radicais contra D. Pedro II, Ruy Castro mostra a sanha de um jornalista – que na verdade era um irmão bastardo do rei, fruto de peraltices libertinas do primeiro Pedro – contra ele. Era o início da nossa imprensa marrom.

Se não fossem tanto ócio, o ódio não prosperaria.


Paulo Pestana – Correio Braziliense




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