A
honra nunca foi ou nunca deveria ter sido um privilégio masculino. Ainda assim,
por décadas, as mulheres foram condenadas por supostamente ferir a honra de
sujeitos que agridem e matam. Muitas delas condenadas à morte, sem direito à
defesa. Condenadas depois de enterradas.
Na
semana que passou, assistimos ao Supremo Tribunal Federal sepultar o decrépito
argumento da legítima defesa da honra para justificar crimes contra as
mulheres, tantas vezes levantado para inocentar bárbaros covardes.
Sempre
é tempo de enterrar mortos-vivos do patriarcado, embora soe tão estranho
estarmos avaliando só hoje uma tese tão retrógrada. Como disse a ministra Rosa
Weber, "não há espaço para a restauração dos costumes medievais e
desumanos do passado pelos quais tantas mulheres foram vítimas da violência e
do abuso em defesa da ideologia patriarcal fundada no pressuposto da
superioridade masculina pela qual se legitima a eliminação da vida de
mulheres".
Os
números absurdos de feminicídios e outras violências mostram que ainda vivemos
um período medieval para as mulheres. É um passo histórico e importante
derrubar argumentos como este nos tribunais e criar cada lei que amplia a rede
de proteção às mulheres e reduz as chances de impunidade para homens. Mas ainda
vai longe a luta para restaurar a honra e a dignidade femininas.
Um
caso emblemático foi o enredo que culminou no estupro da jovem de 22 anos em
Belo Horizonte. Uma sequência de abandonos que tem sido tratada como sequência
de erros por parte de homens, já que cada um deles tem suas justificativas. Um
corpo feminino desprotegido e inerte, deixado ao relento e colhido por um macho
que não viu outra alternativa a não ser violar uma mulher em situação de total
vulnerabilidade.
Ainda
há pontos a esclarecer e longe de mim condenar antes do veredito, mas não há
outra interpretação para o fato - e o fato é que a mulher ainda é, nessa
sociedade machista e doente, um corpo que a qualquer momento pode servir aos
homens, com ou sem vontade, com ou sem consciência, com ou sem consentimento.
Não
há só uma forma de preservar a honra e legitimar o direito feminino de existir.
Punição exemplar, prevenção exemplar de qualquer tipo de violência, educação
exemplar de meninos para que as novas gerações desconstruam esse machismo
perverso. Espero estar viva para ver esta revolução.