Quando
vi as primeiras imagens do ataque do Hamas a Israel, com corpos de pessoas
mortas na calçada, na parada de ônibus, pensei que fosse num quiosque da
Avenida Lúcio Costa, na Barra da Tijuca. Muito semelhantes às imagens que havia
visto dos corpos dos médicos baleados no chão — um ainda na cadeira onde estava
sentado enquanto vivia.
Depois
vi imagens do Hamas sobre camionetas, brandindo fuzis e desconfiei que fossem
imagens do Rio de Janeiro, em mais um "bonde". Os fuzis são dos
mesmos fabricantes, os mesmos modelos. Chegam ao Rio e à Faixa de Gaza com a
mesma facilidade.
Por
fim, a morte chegou pelo mesmo motivo: foram mortos porque estavam ali. Na rave
perto da fronteira com Gaza e no quiosque em frente ao hotel. No Rio, a causa
da morte "bala perdida" agora é acrescida de outra: foi por engano.
A
ONU aprovou a partilha da Palestina em 1947, em memorável sessão presidida pelo
brasileiro Oswaldo Aranha, o que possibilitou a criação do Estado de Israel. Os
palestinos ficaram na Cisjordânia e na Faixa de Gaza — esta dominada pelo
Hamas, que não reconhece Israel. Seu objetivo é a eliminação do Estado judeu. É
um espírito que motivou muita violência nesses últimos 70 anos.
No Rio de Janeiro, nos últimos 70 anos, o crime
foi avançando sem reação das autoridades e da população. Hoje, está armado para
a guerra e tem territórios, santuários, que não reconhecem o Estado brasileiro.
Israel
tentou, mais de uma vez, neutralizar o Hamas — e o Hezbollah ao norte —, mas
encontrou barreira interna nos políticos e em movimentos internacionais,
apoiados por Irã, Rússia, China e semelhantes. No Rio, políticos também
propiciaram o crescimento das facções; o povo não deu apoio à polícia e a mídia
conviveu com uma opinião pública que assistiu a tudo passivamente.
Em
Israel e em Gaza, as populações são reféns da violência. Acompanhei a escalada
do crime no Rio pelos últimos 50 anos e sempre foi fácil prever que os
traficantes acabariam por manter a população refém. Os meios de informação de
massa nunca fizeram uma campanha contra o consumo de drogas que sustenta o
crime.
Potencial: Israel
mobilizou todas as suas forças para que o Hamas não tenha mais condições de
atacar. No Brasil, o governo federal mostra que tem potencial para agir no Rio,
ao mobilizar, nesses dias, imenso equipamento repressivo para expulsar brasileiros
da "reserva" Apyterewa, em São Félix do Xingu (PA), onde não havia
índio até que criassem a área para abrigar os que foram desalojados pela
construção da hidrelétrica de Belo Monte.
O
governo também se mobiliza todos os dias para restringir armas legais na posse
de pessoas que querem defender suas vidas e propriedades, diante da
incapacidade de o Estado de cumprir o que está no art. 144 da Constituição:
"A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de
todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das
pessoas e do patrimônio".
Por
que o Estado brasileiro convive com territórios comandados pelo crime? Por que
não há campanhas públicas demonstrando que drogas destroem os cérebros, os
corpos e as famílias, e enfraquecem a nação, além de sustentarem as facções
criminosas? Por que não se convence a população de que o certo é apoiar a lei?
Recém lembramos o aniversário da Constituição e as palavras do Doutor Ulysses Guimarães: "O documento da liberdade, da dignidade, da democracia, da justiça social". Liberdade, dignidade, democracia e justiça social que não podem ser alcançadas com medo e sem garantia de direitos básicos, como a incolumidade pessoal e patrimonial. É como estar na fronteira da Faixa de Gaza.