Era um falso louco como Hamlet,
mas estava mais para bufão do que para príncipe. Andava pelos bares da cidade
recitando poemas épicos inteiros, caprichando na entonação e a plenos pulmões.
Preferia ir ao velho Beirute onde os frequentadores reagiam, normalmente com
apupos – sim, era um tempo em que se apupava ao vivo e não escondido em rede
social – desde a entrada em cena.
“‘Stamos em pleno mar… Doudo
no espaço, brinca o luar — dourada borboleta” – gritava ele, caprichando
nas inflexões para ressaltar o caráter parnasiano e dar ritmo ao poema. Ainda
assim dava pena de Castro Alves, que se esmerara para dar sentido, cadência e
emoção às palavras. Impressionante era a memória do pretenso aedo.
Brasília era coalhada de gente
assim. Pessoas a procura de uma identidade, em busca de reconhecimento,
tentando se encaixar em alguma alcateia, embora não fossem mais que carneiros.
Deslocados, chatos, sem noção, tinham pouco a oferecer, mas se expunham. Não
eram lunáticos, mas queriam ser reconhecidos como tais.
Andam sumidos; volta e meia um
candidato aparece, mais discretamente. Dias atrás, encontrei um deles – aliás,
são eles que nos encontram. Tentava se passar por maluco beleza, mas seguindo a
teoria de meu avô João, só acredito que o sujeito é doido quando rasga
dinheiro. Este, ao contrário, tentava coletar algum para tomar uma cerveja – e
aí eu cometi um erro: paguei-lhe uma Antarctica.
Tenho esse problema. Gosto de
esticar assunto com completos desconhecidos em botequins. No interior é mais
barato: com vinte e cinco centavos de pinga no copo, encontra-se muito mais que
amigos.Viram escudeiros e, se preciso, morrem por você – ainda mais se houver
outras doses. E desfiam uma quantidade enorme de causos, um mais mentiroso que
o outro. Há há os que cantam, declamam, entretém.
Mas quem eu encontrei não era um
personagem interessante. Era só um chato. Tentou me convencer que tinha poderes
sobrenaturais, quase um Paulo Coelho, que no início da carreira de cascateiro
dizia fazer chover. Depois, parece, desaprendeu.
Enfim, o meu chato disse ter
viajado o mundo para encontrar palavras mágicas que levam à libertação pessoal,
à felicidade absoluta. Eu comentei que seria muito útil para esse pessoal que
subiu rampas sem rede de proteção, mas ele não gostou do chiste. Na qualidade
de chato, insistiu; a busca não terminou, faria uma nova viagem, uma caminhada
ainda mais longa. O resto não ouvi, até porque achei que a cerveja estava
saindo muito cara.
O certo é que está difícil
esbarrar com chatos interessantes, como os dos velhos tempos; eram românticos,
não buscavam nada além de uma companhia e um pouco de atenção, despejando
perdigotos na orelha dos incautos – a veemência faz com que falem cuspindo e
agarrando a vítima pelas mangas.
Nesta hora, a melhor saída é o
telefone celular. Basta puxá-lo do bolso, apertar um botão imaginário, pedir
licença e dizer: – alô? Todo chato recua. E é aí que, saindo de fininho,
falando com ninguém, você sai da cena e encontra a própria libertação. A conta
fica pendurada.