Repetia o filósofo de Mondubim
que a diferença entre o remédio e o veneno está apenas na
quantidade. Infelizmente o mundo moderno parece ter perdido essa e outras
receitas, mergulhado que está num mar de excessos, vivendo numa espécie de
abundância e exageros que fogem totalmente do que seja racionalidade.
O consumismo, que seria um
fenômeno possibilitado pelo capitalismo, surge agora também como uma antítese à
bonança, colocando em risco a existência do próprio homem. O problema é que o
consumo não se restringe apenas a bens materiais, estendendo-se muito além dos
desejos humanos.
O turismo, tal qual ele se
desenvolve hoje em todo o mundo, parece ter rompido, definitivamente, as
barreiras do que se pode considerar aceitável e positivo, transformando muitos
países e regiões do planeta em lugares expostos a um grande e contínuo fluxo de
visitantes, uma horda de estrangeiros que muitas vezes supera o número de
habitantes locais.
Com isso, o cotidiano dos
habitantes dessas áreas é radicalmente alterado, transformando cada dia dos
moradores locais num verdadeiro inferno, onde tudo passa a ser disputado.
Fenômeno idêntico, e talvez com maiores repercussões negativas, vem ocorrendo no
caso particular do grande e crescente fluxo de imigrantes. Quer queira, quer
não, o imigrante adulto já traz de seu país de origem toda a bagagem cultural
que adquiriu ao longo da vida. Isso faz com que ele não se deixe integrar com
facilidade aos costumes locais do novo lar. E isso é um problema que vem se
agravando nos últimos anos, gerando conflitos que muitas vezes acabam
resultando em mortes.
De certo modo, as previsões para
os países que mais recebem populações de imigrantes não são boas. O aumento dos
conflitos armados no terceiro mundo e as alterações bruscas trazidas pelo
efeito estufa ao meio ambiente em todo o mundo têm forçado, cada vez mais, o
deslocamento de populações inteiras pelo planeta. Os conflitos étnicos se
espalham por toda parte. Na mesma direção, aumentam os casos de racismo e,
principalmente, de xenofobia.
Relatos de intolerância contra
os estrangeiros se multiplicam. Caso emblemático aqui, para ficar apenas na
geografia dos países de língua portuguesa, é o de intolerância dos nativos de
Portugal contra a imigração dos brasileiros que para lá foram se estabelecer; o
que, à primeira vista, poderia parecer um ganho para a terra Lusa, já que o
envelhecimento daquela população, juntamente com a queda acentuada de
natalidade, vinha provocando um esvaziamento sério populacional do país.
Aldeias inteiras, à semelhança do que ocorre também na Espanha e na Itália,
estão hoje sem moradores. Mas, ainda assim, as populações desses países estão
cada vez mais insatisfeitas com o fluxo imigratório.
No caso de Portugal, segundo
pesquisa e depoimentos de brasileiros residentes lá, a xenofobia cresceu nos
últimos anos mais de 830%, o que é um percentual altíssimo, e que não deixa de
surpreender, já que muitos brasileiros possuem a noção de que a terrinha
distante, antiga colônia, é um lugar acolhedor para aqueles que falam o mesmo
idioma e possuem pontos históricos coincidentes. Nada mais enganoso.
Em lugares como Lisboa e Porto
os casos de maus tratos aos brasileiros se sucedem. Estima-se que mais de 400
mil brasileiros vivam hoje naquele país, o que perfaz cerca de menos de 8% da
população lusa. Na verdade, a presença de brasileiros em solo português é, para
os locais, cada vez mais incômoda.
Também a noção histórica
distorcida e passada aos portugueses, desde os primeiros anos de ensino, tem
mostrado que a colonização foi excepcionalmente benéfica aos brasileiros, sendo
os colonizadores formados por pessoas do mais alto grau de humanismo, todos
eles devotados ao bem-estar das populações submetidas. Também os livros de
história de Portugal mostram aquele país como uma nação muito superior à
brasileira. Nada mais falso do que isso. Essa pretensa superioridade racial,
repassada de geração em geração, faz com que os portugueses se sintam na
condição de humilhar os brasileiros que lá estão, com piadas xenófobas e mesmos
discursos diretos do tipo: “Fora brazucas”, “vão para sua terra”, “não queremos
vocês aqui”.
Essas e outras ofensas são ditas
com frequência e mesmo pichadas nos muros das casas dos imigrantes.
Brasileiros, com descendência portuguesa e que procuram a embaixada de Portugal
e os consulados espalhados pelo país, em busca de cidadania, vão na ilusão de
que em Portugal serão bem recebidos por todos, afinal são dois países irmãos.
Assim que chegam a Portugal, ficam sabendo que a coisa não é bem assim. São
maltratados desde o desembarque. Na condição de estrangeiros, não são
bem-vistos em parte alguma daquele país. Por mais que se esforcem, ficarão
sempre na condição de estrangeiros, apartados do convívio dos nativos, xingados
e mesmo expulsos de muitos lugares.
Os portugueses possuem a noção
falsa de que estão trabalhando para sustentar os imigrantes idos do Brasil. Em
2020, os brasileiros contribuíram com mais de 350 milhões de euros para a
segurança social portuguesa. Em 2021, esse número saltou para mais de 414
milhões de euros. Ou seja, dinheiro pago ao sistema de apoio aos trabalhadores
imigrantes e que incluem também os portugueses. A questão toda está no dilema
vivido hoje por uma multidão de brasileiros que ruma para Portugal: ou ser
cidadão de segunda e terceira classe num Brasil dominado pelo ódio de uma
esquerda míope, ou ser eternamente estrangeiro e escorraçado além-mar, tratado
como perigoso por uma malta de saloios iletrados, que acreditam ser
cosmopolitas.