Em entrevista ao Podcast do Correio, o secretário de Segurança Pública do Distrito Federal, Sandro Avelar, fez um balanço sobre o ano de 2023 na área de segurança da capital do país, destacando o aumento nos feminicídios, a queda histórica dos homicídios e o processo de licitação das câmeras corporais da PMDF.
Aos jornalistas Arthur de Souza e Pablo Giovanni, o gestor também comentou sobre os planos para garantir que qualquer ato previsto para 8 de janeiro de 2024 ocorra com tranquilidade, sem que haja a possibilidade de novos atos de vandalismo. "A ordem é no sentido de que, se tiver que errar, que seja pelo excesso de policiais (nas ruas)", afirmou Avelar.
Como o senhor enxerga a questão das câmeras corporais para a PMDF? O processo está sendo conduzido pela Polícia Militar. Há todo um tecnicismo nas questões que envolvem o procedimento licitatório, e isso é normal. É importante ressaltar que, tanto a corporação quanto a Secretaria de Segurança Pública, entendem que essa aquisição vai ser muito salutar. Brasília tem as menores taxas de violência policial, de forma que não há nenhuma razão para que os nossos policiais se preocupem em ter os seus atos e o seu dia a dia gravados. É evidente que existem situações que envolvem uma maior sensibilidade, quando há investigações que são sigilosas, por exemplo, mas vejo o uso das câmeras pela polícia de Brasília com muito bons olhos. É algo que vai proteger o policial no seu dia a dia, as câmeras serão um instrumento importante para demonstrar a seriedade do trabalho que é feito, o alto grau de comprometimento da corporação e o alto grau de profissionalismo. Acho que vai ser uma boa aquisição para a PMDF.
Existe resistência por parte do efetivo? É lógico que você nunca consegue uma unanimidade, sempre há uma ou outra questão que pode preocupar, isso é normal. Tudo que é novo e todo o processo que traz novidades geram um determinado grau de ansiedade e expectativa, mas a corporação, de uma maneira geral, sabe do dia a dia pelo qual eles passam, sabe da seriedade do trabalho, sabe do profissionalismo e da eficiência e sabe que as câmeras não estarão ali para prejudicar nos seus afazeres. Pelo contrário. As câmeras corporais estão muito mais voltadas à proteção do policial.
Como o senhor considera o trabalho das corregedorias das forças de segurança? Todas são atuantes e o trabalho que elas fazem é para que não haja injustiças sendo cometidas contra os policiais ou membros do Corpo de Bombeiros e, naqueles casos onde houver erro dos agentes públicos, que ele seja punido. O importante é que não haja, jamais, algum tipo de perseguição ou, por outro lado, de protecionismo. O que a gente busca é ser republicano: nem proteger e nem perseguir. Então, as corregedorias são importantíssimas para que a comunidade saiba que eventuais erros cometidos pelas nossas corporações serão devidamente investigados.
Quais ações da SSP para coibir abordagens truculentas? A gente tem que conscientizar as corporações e também a população que a atividade policial é desgastante. Muitas vezes, as pessoas exigem a atividade de polícia para terceiros, mas não contra si, como nos casos de blitz. Para os outros, tudo bem, mas para si ou um familiar, não, porque acha que está agindo com excesso. É claro que a questão do procedimento de abordagem tem que ser sempre respeitando a dignidade dos cidadãos que estão sendo abordados. É preciso que haja uma conscientização de todas as corporações, e a gente trabalha muito nessa área. No Distrito Federal, muito raramente você tem alguma reclamação de eventual excesso. Se considerar em termos estatísticos, essas reclamações são mínimas, especialmente se comparadas a outros estados. Tem que haver uma compreensão por parte da população, que, às vezes, se sente incomodada, mas tudo que fazemos é pela segurança de todos.
Está previsto algum ato para o 8 de janeiro de 2024? A gente atua muito fortemente com a prevenção. É óbvio que estamos monitorando as redes sociais para ver se está havendo a organização de um movimento mais forte no próximo 8 de janeiro e vamos estar preparados. A ordem é no sentido de que, se tiver que errar, que seja pelo excesso de policiais (nas ruas), para coibir qualquer ato de vandalismo ou de violência. A gente não espera que haja alguma manifestação com esse condão de cometer atos de vandalismo, só que a precaução e a prevenção fazem parte do nosso trabalho. Existem movimentos que estão se organizando, mas, por enquanto, muito incipientes. Nenhum que seja grande ou preocupante, neste momento.
Como está o planejamento para o réveillon, para que a população possa curtir tranquilamente a virada? Temos trabalhado com antecedência, pois é uma data que não podemos dizer que não sabia que iria acontecer, ou seja, não tem nenhuma justificativa para não estar preparado para fazer uma boa atuação.
São 34 feminicídios em 2023. Como será o trabalho para tentar diminuir esse índice alarmante? O feminicídio, neste ano, veio na contramão de todos os outros números. É um fenômeno estranho, porque também aconteceu em todo o Brasil e em outros lugares do mundo. Estive recentemente na Itália e, por lá, a população também está assustada com o alto número de feminicídios. Mas é algo que a gente tem que combater de maneira que envolva não só as forças da segurança pública, mas outros órgãos de governo e áreas da sociedade civil. É fundamental essa transparência na discussão, na busca de soluções e o governador tem nos dado essa atribuição de buscar soluções conjuntas, no sentido de conscientizar a sociedade de que é importante denunciar, é importante para a mulher não se calar, assim como é importante para o vizinho, para o familiar, para o porteiro do prédio e para todos que sabem da existência de atos de violência contra mulher, que denunciem. É estranho como a população aciona o 190 para denunciar, por exemplo, uma festa onde o som está alto e incomodando, mas esse mesmo vizinho não liga para denunciar os gritos que está ouvindo da vizinha que está sendo espancada. A questão da violência contra mulher é algo lamentavelmente cultural, e que a gente precisa trabalhar como um todo. É preciso que haja esse engajamento, também da sociedade civil, para que a gente trabalhe em uma mudança de mentalidade, desde as nossas crianças que, muitas vezes, crescem com o entendimento de que a violência contra a mulher é normal.
Mais da metade das vítimas de 2023 não registraram ocorrência de violência doméstica contra o autor. Qual a importância da denúncia? Ela é fundamental para que a gente passe a ter condições de atuar proativamente e monitorar aquela residência onde a violência está acontecendo. Temos feito a chamada busca ativa, em que vamos no local onde foi feita aquela denúncia e procuramos ter o contato, tanto com a mulher quanto com o agressor, e esse contato não é uma visita única. São pelo menos três visitas, para ver se aquele ambiente mudou e se aquela atmosfera de violência, de alguma forma, mudou. Também temos feito campanhas que vão além da denúncia, como campanhas de conscientização, por exemplo, em lideranças religiosas e comunitárias, para que elas nos ajudem a dizer à mulher que está sendo vítima de violência, que a denúncia é necessária e que ela não deve aceitar a condição de submissão ao companheiro, a ponto de admitir ser agredida.
De que forma as mulheres podem ter acesso às medidas de proteção? Estamos disponibilizando um dispositivo, cuja aparência é idêntica à de um telefone celular, mas que, na verdade, é um "botão do pânico". Ele está sendo distribuído dentro das nossas delegacias da mulher, para que aquela vítima de agressão, de posse desse dispositivo, possa nos acionar rapidamente e colher uma resposta do Estado. Ela aciona a Secretaria de Segurança Pública por meio desse botão do pânico e nós, imediatamente, acionamos a viatura da PMDF mais próxima, que vai interpelar o eventual agressor. Isso tem funcionado com números significativos no decorrer deste ano. A imprensa tem uma responsabilidade muito grande de nos cobrar e nos permitir explicar o que está sendo feito, até para que a gente possa demonstrar, por exemplo, que a mulher que procura a delegacia de polícia ou que informa ao juiz, dentro de um processo, que está sendo vítima de agressão, está muito mais protegida do que aquela que não procura o Estado.
Os dados da SSP apontam que os homicídios devem atingir a menor taxa dos últimos 47 anos. A que se deve isso? A gente preza muito por um trabalho meticuloso, em que o Distrito Federal é dividido em quatro quadrados, as chamadas Áreas Integradas de Segurança Pública. Em cada setor desses, existe um comando da PMDF trabalhando junto a um delegado da PCDF, um comandante do Corpo de Bombeiros e um representante do Detran. Em cada uma dessas quatro áreas, são 16 pessoas que são cobradas, mensalmente, a apresentarem números, que são monitorados pela inteligência da Secretaria de Segurança Pública, se utilizando de 444 microrregiões que são monitoradas, onde a gente tem a informação de qual tipo de crime está acontecendo, qual o horário, qual o dia da semana. Isso nos permite fazer uma atuação mais pontual, com a otimização do deslocamento das nossas viaturas e do nosso efetivo. Esse trabalho permite, ainda, identificar as posições em que a gente deve colocar câmeras de monitoramento, para que a gente possa acompanhar as imagens e prevenir, em tempo real, o crime ou identificar a autoria de algum. Isso, evidentemente, reflete nos números. O que mais nos orgulha não são os números, porque enquanto houver um homicídio a gente tem que trabalhar, para que não haja nenhum. Só que a consistência na redução desses números nos leva, realmente, a crer que estamos no caminho correto.
Essa redução está ligada à ação da SSP contra as facções criminosas? Sem dúvida. Até porque, se você for olhar o perfil das vítimas de homicídio, na maioria das vezes, é muito parecido com o do algoz, o que demonstra que é a questão do acerto de contas que prevalece muito nesse meio e, infelizmente, acaba impactando nos números, negativamente. Quando você tem essas gangues retiradas de circulação, o número de homicídios, realmente, é reduzido significativamente. Então, esse trabalho que vem sendo feito pela PCDF, de identificação e investigações muito bem feitas, em todas as regiões administrativas, tem uma repercussão positiva, mostrando que os números vêm caindo a cada ano. O trabalho da PMDF também, com policiamento ostensivo naquelas áreas mais sensíveis, evidentemente, afetam muito nesse sentido.
Pode comentar um pouco sobre o projeto da SSP de prevenção criminal por meio de design de ambientes? A gente está apostando muito nisso como uma medida importante, dentro do princípio da integralidade e dentro desse projeto que foi lançado pelo governador Ibaneis Rocha, de investir na chamada segurança integral. A questão do design ambiental, é porque você consegue provar, estatisticamente, que naqueles locais onde se tem uma deficiência na iluminação ou na pavimentação da rua, carcaças de automóveis abandonados, tudo isso leva a um sentimento de abandono, que implica aumento dos números da criminalidade. A gente tem procurado combater isso com a integração e a soma de esforços das diversas áreas de governo. Por exemplo, com o projeto DF Livre de Carcaças, a gente tira automóveis abandonados em diversas regiões do DF, que trazem o sentimento de insegurança para a população, até porque aquelas carcaças, muitas vezes, são utilizadas por criminosos para consumir drogas, esconder objetos que foram furtados ou roubados e até para cometer crimes de natureza sexual. Então, quando somamos esforços, cada um nas suas atribuições, é para poder fazer aquilo que é melhor para a população, dando um ambiente mais saudável e passando a seguinte mensagem para o criminoso: "Olha, aqui não! Aqui, tomamos conta e você não é bem-vindo. Isso inibe o criminoso de atuar naquela região.
A intenção é manter o José Werick como delegado-geral da PCDF? E com os outros comandos das forças de segurança? Mudanças são normais nas forças de segurança. Um policial fecha o tempo dele e, às vezes, tem outros interesses que são legítimos. Pode ser que uma adequação na política de segurança nos recomende um perfil "assim ou assado", ou seja, qualquer mudança que venha a ocorrer será absolutamente normal. O que posso dizer é que temos bons comandantes, em todas as instituições, e as substituições que porventura vierem a ser feitas são naturais. A gente tem quadros muito preparados para ter outros bons nomes comandando essas mesmas corporações. Em relação ao doutor José Werick, é uma pessoa cuja competência é notória e reconhecida pelos colegas. Ele foi, por vários anos seguidos, eleito e reeleito representante dos delegados da Polícia Civil e tem uma excelente relação com todas as categorias. Ou seja, é uma pessoa que une a corporação em torno dele e dos projetos que são positivos para a PCDF. É um nome que nos tranquiliza muito estando à frente dessa corporação.