Muitos falam e chegam até a
desejar, com a sinceridade relativa de hoje em dia, que o ano que se inicia
será repleto de paz. Será o ano em que os brasileiros reencontrarão o caminho
da convivência e da harmonia. O que a maioria dessas pessoas não percebem, ou
fingem não perceber, é que a tão almejada e sonhada paz só se tornará realidade
concreta quando for seguida e contemplada por uma justiça plena.
Não aquela concedida sob medida
e em doses miúdas pelos novíssimos intérpretes dos regimentos e das leis, todos
eles munidos de um poder absurdo e que, ao final, enxovalha a própria Justiça.
A Justiça, em sua essência, é o veículo da paz. Sem ela, tudo fica retido no
mundo relativo dos desejos e da boa vontade, mas que não vai além de promessas
esvaziadas. Para um país como o nosso, político, social e economicamente
fracionado, não há como pensar em paz, quando se nota, logo de saída, a
distância enorme que separa o Brasil real daquele vivido por sua classe
dirigente. Não há Justiça nesse campo, pois o cidadão, neste país, hoje, vive e
trabalha duro para custear, de forma obrigatória, uma realidade que não é a
dele.
Pode parecer estranho, mas no
tempo da Operação Lava Jato, um período curto, mas de grande esperança geral,
havia um sentido de paz, que parecia pairar sobre todos. Finalmente o país iria
se ver livre de uma praga histórica que, por séculos, mantinha os brasileiros
como refém do passado, atados a um subdesenvolvimentismo crônico.
Esse sentimento de paz vinha
embalado, justamente, no presente da Justiça. Naquele interim de nossa
história, brasileiros de todas as origens puderam sentir na pele o que era a
paz. Finalmente o país deixaria de pertencer a uns poucos e seria colocado sob
a responsabilidade de todos. Aqueles sim foram anos de paz. Até mesmo o mundo
do crime organizado, formado por indivíduos avessos aos colarinhos brancos,
sentiu os ares de mudança e, com o baque sofrido, também recuou.
A satisfação com que a população
assistia, a cada dia, a fila imensa de políticos e empresários de alto coturno
sendo conduzidos para a prisão, mostrava que a paz em nosso meio também era
possível. Curioso notar ainda que cada um desses velhos corruptos que eram
levados ao catre aumentava, na mesma intensidade, o sentimento comum de paz.
Uma paz profunda, só conhecida pelas crianças.
Obviamente que a paz não é
exatamente isso, ou somente isso. Mas em nossa situação, levada até as últimas
consequências da dignidade humana, essa era a nossa paz. A paz derradeira, de
não mais precisar sonhar em deixar o país para trás e emigrar para outras
terras. Tudo o que deveria ser nosso, desde sua origem, voltava a ser nosso
dali em diante. Mas a paz, que era de fino cristal, fugiu de nossas mãos, indo
se estilhar contra o chão.
Desfeita, peça por peça, toda a
Operação Lava Jato, aquela legião de anjos caídos banidos para as profundezas
da Terra, voltaram com ainda mais sede de roubar a nossa paz, punindo agora
quem quer que ouse enfrentá-los. É como se o Brasil tivesse desabado sobre os
brasileiros, soterrando-nos sobre escombros. Desejar paz para os que estão
agora sob essas ruínas é um sonho para 2024.