Trezentos
e sessenta e seis dias se passaram desde o empate no tempo regulamentar, na
prorrogação e a derrota nos pênaltis por 4 x 2 para a Croácia, em 9 de dezembro
de 2022, no Estádio Cidade da Educação, em Al-Rayyan, nas quartas de final da
Copa do Mundo do Catar. Um ano depois, o projeto da Confederação Brasileira de
Futebol (CBF) para a retomada do sonho do hexa lembra a letra da canção
infantil A Casa, de Vinicius de Moraes. "Era uma casa, muito engraçada,
não tinha teto, não tinha nada (..)". Sem chão, sem parede, sem
presidente, sem técnico e sem rumo "caminha" a inerte Seleção
Brasileira rumo ao Canadá, México e Estados Unidos, em 2026.
A
crise institucional é complexa. Deposto pelos desembargadores da 21ª Câmara de
Direito Privado do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro na quinta-feira por
causa de supostas irregularidades nas eleições de 2022 da CBF, o presidente
Ednaldo Rodrigues será substituído, nesta semana, durante 30 dias por um
interventor. Ele será responsável por convocar um novo pleito. A missão foi
delegada ao presidente do Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD), o
brasiliense José Perdiz, de 60 anos. Cabe recurso.
O
trono da entidade máxima do futebol brasileiro arrisca ter o sexto ocupante em
11 anos. José Maria Marin, Marco Polo Del Nero, Coronel Nunes, Rogério Caboclo
e Ednaldo Rodrigues participaram da dança das cadeiras a partir da queda de
Ricardo Teixeira.
O
poderoso chefão renunciou em 12 de março de 2012. Acumulou 23 anos na
presidência. Tomou posse em 1989. Assumiu no governo de José Sarney, passou
pelas gestões de Fernando Collor de Melo, Itamar Franco, dois mandatos de
Fernando Henrique Cardoso, outros dois de Luiz Inácio Lula da Silva e dois anos
de Dilma Rousseff. A saída de Teixeira deu início ao maior período de
instabilidade política da CBF. Um senta-levanta sem precedentes em uma cadeira
amaldiçoada. O órgão se diz vítima de golpe articulado por Ricardo Teixeira e
Marco Polo Del Nero em uma interminável batalha pelo poder.
Para
entendê-la, precisamos voltar a 2018. Naquele ano, o Ministério Público do Rio
de Janeiro (MPRJ) moveu uma ação contra a CBF. Entendia que o estatuto da
entidade descumpria a Lei Pelé, cujo texto previa peso igualitário no colégio
eleitoral entre as 27 federações, os 20 clubes da Série A e os 20 da B. Del
Nero havia mudado. Atribuiu peso três às entidades estaduais (base de
sustentação), dois aos times da primeira e um para os da segunda divisão.
Enquanto a ação contrária a isso corria, Rogério Caboclo caiu sob acusação de
assédio moral e sexual contra uma funcionária. Em 5 de outubro, o ex-dirigente
foi inocentado pelo STJ.
Vice
mais velho à época do escândalo, Ednaldo Rodrigues assumiu a CBF interinamente.
Agiu rapidamente e negociou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o
MPRJ. O pleito anterior, de Caboclo, tornou-se inválido. Ednaldo convocou outra
eleição, concorreu e triunfou nas urnas por aclamação. Os vices Gustavo Feijó e
Castellar Neto sentiram-se prejudicados. Perderam o mandato com Caboclo e
acionaram a Justiça questionando o TAC. Para eles, Ednaldo fazia parte do
pacote de vices, deveria ter saído e não tinha legitimidade para se candidatar
e muito menos assumir em definitivo. Alegaram, ainda, que o juízo de 1º grau
não tinha competência para homologar o acordo. O interino resistiu, herdou a
caneta de Caboclo e a ação de Feijó e Castellar parecia adormecida.
O Correio apurou bastidores da reviravolta.
Quando supostamente tramou a queda de Caboclo, Del Nero não tinha Ednaldo como
plano A. Os ungidos eram os vices Feijó e Castellar. Descontentes, ambos se
tornaram aliados de primeira hora de Del Nero e Teixeira. Empoderado, Ednaldo
começou a fazer uma faxina do que havia sobrado das gestões anteriores. As
mudanças, principalmente de ordem financeira e jurídica, como contratos
assinados em administrações anteriores com benefícios a ex-presidentes,
passaram a incomodar os coronéis da bola. Uma fonte conta à reportagem que o
controverso sistema de governo dos antecessores vivia de alguns desses acordos.
Del Nero havia perdido o controle remoto da CBF.
Paralelamente,
Ednaldo descumpria acordos em cargos estratégicos favoráveis a personagens
vinculados a Teixeira. Andrés Sanchez, por exemplo, era especulado como diretor
de seleções, mas não foi nomeado. Coincidentemente, na véspera da deposição, o
ex-presidente do Corinthians e ex-coordenador de seleções de Teixeira na CBF,
Andrés Sanches, e Ronaldo Fenômeno, se encontraram com Ednaldo no camarote da
CBF, no Mineirão, antes do empate entre Palmeiras e Cruzeiro pela última rodada
do Brasileirão.
Ednaldo
também se isolou dos vices, centralizou o poder, expôs fragilidades e alimentou
raposas velhas. Agiu com insegurança, indecisão e desrespeito à camisa
verde-amarela na escolha do técnico da Seleção. Um ano depois do fim da Era
Tite, o país não sabe quem comandará o Brasil na Copa de 2026. O ciclo iniciou
com dois interinos. Ramón Menezes em três amistosos; e Fernando Diniz nos seis
jogos das Eliminatórias. Em tese, o treinador compartilhado com o Fluminense
comandará o Brasil, em março, contra Espanha e Inglaterra na Europa. Ednaldo
jura que o italiano Carlo Ancelotti assumirá na Copa América. O Real Madrid
acena com possibilidade de renovação. A treta na CBF enfraquece qualquer
garantia.
Vulnerável
diante da série de três derrotas consecutivas no fim do ano para Uruguai,
Colômbia e Argentina; e de apenas três vitórias contra Guiné, Bolívia e Peru em
nove jogos no ano, Ednaldo viu as flechas dos caciques voltarem-se contra ele.
A Ação adormecida despertou. Ricardo Teixeira vazou áudios cobrando a saída do
atual presidente. Banido do futebol. Del Nero fez manifestações públicas sobre
a gestão. Houve invasão de dados nas redes da entidade. Documentos sigilosos
teriam sido acessados, adulterados e distribuídos em profusão na forma de
dossiês à imprensa em forma de denúncias. O Correio apurou que uma empresa foi
contratada para massificar o serviço.
A arquitetura da destruição inclui Brasília. Fontes relatam ao Correio lobby pesado pela abertura de CPI do Futebol no Congresso Nacional turbinada rebeldes vinculados a figurões da Casa. Ednaldo foi convidado a depor na CPI das Apostas e das Pirâmides Financeiras e se esquivou. Falaria dos preparativos do Brasil para a Copa do Mundo Feminina na Comissão de Esporte da Câmara dos Deputados e recuou. O senador Romário (PL-RJ) acusou Teixeira e Del Nero de tramarem golpe. Acuado, Ednaldo recuou a escritórios de advocacia famosos vinculados a um ministros do STF.