A
safra de novos torcedores da Seleção Brasileira, com certeza, não vai entender
muito bem o que foi e o que representou para o futebol brasileiro a figura de
Mário Jorge Lobo Zagallo, que, agora, nos deixou. Essa nova geração, sem ter
culpa alguma, se apega mais aos atletas milionários, quase todos tatuados no
peito, atentos à playlist do Spotify e assessorados por belas modelos de baixo
conteúdo cultural. A maioria, quando se apresenta à Seleção, chega a bordo de
seus jatinhos, faz uma live devidamente adornada pelo patrocinador da hora e,
se fizer bom tempo, dá autógrafos na porta do hotel, apressadinho.
A
nova geração de torcedores da Seleção mal sabe escalar os 11 titulares que
entraram em campo no último jogo das eliminatórias da Copa. Claro que não,
quase todos jogam na Europa, são milionários, astros de primeira grandeza e,
para eles, com raríssimas exceções, a prioridade é o clube em que jogam. A
Seleção, no máximo, é um trampolim de luxo. Zagallo, ídolo do Flamengo e mais
ídolo ainda no Botafogo, pavimentou a estrada de sua vida como um atleta
apaixonado pelas camisas que vestiu, pelos torcedores que o amavam e, também,
por aqueles que o fustigavam, fato que, muitas vezes, se repetiu. Quando barrou
Romário na Seleção e quando escalou Ronaldinho na fatídica final contra a
França na Copa de 98, teve sua cabeça a prêmio, e a mídia o massacrou.
Episódios
ruins acontecem somente na vida de quem luta por ela, e nenhuma carreira é
feita apenas de aplausos. Se a nova geração der um mergulho caprichado no
Google vai saber que a presença de Zagallo na Seleção Brasileira foi marcada
por uma incomparável dedicação, apaixonadas atitudes e gestos de quem sempre
soube entender que o futebol faz parte da vida sociológica deste país e que,
por ele, o torcedor vai aos extremos da emoção. E quem gosta de futebol — e o
brasileiro gosta — sabe e se identifica com rara habilidade com todos aqueles
que sabem como lidar também com o ser humano.
Zagallo
começou a acontecer para o mundo da bola quando, em 1958, aos 27 anos, integrou
a vitoriosa Seleção Brasileira, que sagrou-se campeã mundial na Suécia, jogando
ao lado de Garrincha, Didi, Vavá, Nílton Santos, Zito e Pelé, nosso rei do
futebol. Como treinador, a conquista da Copa de 70 deu a Zagallo a credencial
internacional que o consagrou com inteira justiça e mérito. Emotivo e
determinado, ele viveu intensamente todos os seus momentos dentro do universo
conturbado e pertubador do futebol. O seu histórico desabafo pela tevê quando
disse que "vocês vão ter que me engolir", numa desesperada atitude
que explicitava sua revolta com a mídia que o tratava mal, viralizou mundo
afora e, até hoje, é lembrado por gerações diferentes.
A
bem da verdade, talvez o significado real dessa manifestação de Zagallo seria
melhor aplicada se fosse ao contrário. Deve ter sido difícil para o treinador
aceitar, e engolir, o amontoado de críticas e mazelas destinadas a ele. A
história comprovou que ele estava no caminho certo e que, no tempo certo,
ajustou os ponteiros, aprimorou a mira e acertou mais do que errou no comando
da Seleção. Uma história revestida de emoções e controversas decisões. Nenhum
treinador na história da Seleção Brasileira viveu tão intensamente o que
Zagallo viveu.
Apaixonado
pela camisa amarelinha da Seleção, ele extrapolava a condição de técnico para
ser um torcedor, amigo dos jogadores e alguém que, em todos os momentos,
defendia a Seleção como se a equipe fosse em campo todo o símbolo de uma nação.
Profissional correto, Zagallo soube desempenhar seu trabalho com ética e
absoluta vontade de acertar e vencer. Conseguiu. Deixa um legado invejável que,
dificilmente, será superado. Por ironia, o treinador nos deixa justamente
quando a Seleção que ele tanto amou atravessa seu pior momento. Sem carisma,
sem liderança, sem charme e, também, sem treinador. Cenário de terra arrasada
não seria exagero. E não é.