Como
sempre, ficamos animados com o alvorecer de um novo ano, mesmo sabendo que
mudanças no calendário não passam de convenções, baseadas mais em mitos de cada
sociedade do que em alterações marcantes no clima e nas estações. É verdade que
alguns calendários são fundamentados nas estações do ano, outros em fases da
lua, mas a maior parte deles se baseia em narrativas fantásticas, em mitos de
origem, ou em supostas datas de nascimento de heróis e divindades.
Nós,
do mundo ocidental, preferimos o calendário cristão, hoje consultado em
celulares e computadores, mas, até pouco tempo atrás, impresso em
"folhinhas" que marcavam o tempo, mês a mês, e apresentavam
ilustrações de campos nevados, anjos da guarda, santos conhecidos e até
mulheres atraentes com mais ou menos roupa, dependendo de sua origem ter sido o
armazém da rua ou o posto de gasolina do bairro.
Substituir
uma folhinha, prestes a ser atropelada pelo tempo, por outra, novinha em folha,
renovava a esperança na cura dos doentes e na solução de nossos problemas
financeiros. De quebra, esperavam-se que as solteiras arranjassem marido, os
desempregados encontrassem emprego e os mais jovens, um pouco de juízo, o que
incluía ser aprovado no colégio, passar para o ano seguinte sem segunda época.
As mães, por vezes, confessavam que desejavam um pouco de juízo às filhas
adolescentes, quando essas se mostravam um pouco mais "assanhadas" do
que o razoável (e o razoável era muito diferente em cada caso, mas sempre
incluía "não engravidar antes de casar").
Hoje,
não temos mais a folhinha, e parece que não acontecem "passos em
falso" de nossas moças. Ou, simplesmente, eles, de tão comuns, não
provocam grandes reações... Mudam os tempos, mudam os costumes. Menos o de
fazer planos. Na verdade, não somos tão bons assim em planos, mas somos ótimos
em ter desejos e fazer previsões. O futuro, nosso futuro, não se baseia em algo
concreto, mas em esperanças, expectativas. Afinal, somos brasileiros. E
brasileiro é sensível, amua-se por qualquer coisa. Se aquele conhecido, com
quem conversamos uma vez, não responde à nossa mensagem de ano-novo (mesmo que
nem tenha sido redigida a alguém em particular e tenha sido enviada exatamente
igual a todo mundo) ficamos seriamente sentidos.
O fato é que nosso desejo mais comum de ano novo é que todos "sejam felizes". Desejar felicidade é legal: é algo amplo, abrangente, inclui amor, dinheiro, viagens, comida boa, tudo que possa deixar o receptor da mensagem feliz. Mesmo sabendo que o conceito tem historicidade, ou seja, o que é felicidade para um camponês na Idade Média não satisfará uma mulher de classe média urbana brasileira do século 21. (Sobre a historicidade da felicidade sugeriria a leitura do excelente livro de Peter Stearns História da felicidade. Se não ficar mais propenso a ser feliz, com certeza ficará mais culto.)
Queremos
saúde. Será que saúde se tornou um desejo tão universal quanto a felicidade?
Não creio. Acho até que a frequência de saúde, entre os desejos, tem mais a ver
com a idade das pessoas que me enviaram seus "cartões". Camarada que
toma remédio para pressão alta, ou contra problemas estomacais, quando não é
para tentar corrigir problemas congênitos do sistema circulatório, sente
necessidade de desejar saúde a todos, pois se dá conta, pela própria
experiência, que a vida é finita e que ela está em perigo neste mundo
competitivo e maluco em que vivemos. Muitos de nós já não nos preocupamos em
acumular (para usufruir quando?), mas em esticar um pouco mais a vida, usufruir
dela tudo que pudermos. Sim, saúde é um desejo etário, ou de pessoas que já
sofreram problemas com ela. E ela está sempre em risco.
Que
mais queremos? Paz. Meus amigos, parentes e conhecidos querem paz. Ao pedir paz
nos sentimos um pouco menos egoístas, não estamos pedindo algo só para nós, mas
para a humanidade toda. E é nessa área que falamos as maiores asneiras, que nos
emocionamos com o cão soterrado por mísseis russos (e exaltamos os ucranianos)
ou não nos conformamos com drones ucranianos na cidade russa (e maldizemos os
ucranianos). Querer paz nos parece uma atitude de justiça, de respeito à
humanidade. Claro que pode ser tudo isso, mas ajudaria bastante se, além do
desejo genérico, estudássemos um pouco a situação dos contendores para não
parecermos apresentadores de programas idiotas de TV ou candidatas a miss que
desejam "apenas" a paz mundial. Não precisamos ser ingênuos nos
nossos desejos…
Em
resumo, queremos felicidade, paz e saúde. Pois que todos os que se aventuram
nesta página sejam felizes, tenham muita saúde e façam o que possam para
atingirmos a paz.