A
convocação feita por Jair Bolsonaro (PL) para um ato político na Avenida
Paulista, em São Paulo, na tarde deste domingo (25), visa fortalecer sua
posição na defesa contra acusações de envolvimento numa suposta tentativa de
golpe de Estado. No entanto, o principal efeito dessa manifestação será apontar
rumos que o ex-presidente e a direita tomarão na política do país. Enquanto
investigações da Polícia Federal (PF) avançam no âmbito da operação Tempus
Veritatis, Bolsonaro e aliados apostam numa estratégia arriscada devido ao
cerco judicial, confiando na simbologia da força política.
Em
meio a essa prova de fogo, os riscos elevados residem na possibilidade de que o
ato gere mais acusações judiciais contra Bolsonaro, caso ele se mostre incapaz
de evitar excessos na manifestação, seja por falas ou mensagens escritas. O
risco inclui até uma eventual ordem de prisão por supostamente fomentar “atos
antidemocráticos”. Já o ex-presidente e seus aliados querem chamar a atenção
para crescente perseguição destinada a tirá-lo do jogo de poder.
“Houve
a eleição, o TSE [Tribunal Superior Eleitoral] anunciou o resultado, me torna
inelegível sem crime, depois se fala em me prender. Qual o próximo passo, me
executar na prisão? Devo fugir do Brasil, pedir asilo?”, disse o ex-presidente
na quarta-feira (21).
“Há
um ano e dois meses após as últimas eleições, o nome de Bolsonaro é o mais
falado, revelando desespero dos governistas com a notoriedade positiva dele e a
sua recepção calorosa em todos os lugares onde passa”, disse o líder da
oposição no Senado, Rogério Marinho (PL-RN).
Por
precaução, Bolsonaro rejeita a presença de faixas e cartazes: Numa
estratégia para evitar o acirramento da tensão com o STF, Bolsonaro pediu aos
apoiadores que não levem faixas e cartazes “contra quem quer que seja”, para
impedir a repetição do ocorrido em manifestações passadas, com até apelos por
intervenção militar.
Na
convocação em vídeo para o ato, no dia 12, ele afirmou que pretende fazer a
defesa da democracia e a sua própria contra “todas as acusações que têm sido
imputadas nos últimos meses”. Na quarta-feira (21), o ex-presidente afirmou que
não podia continuar ameaçado de ser preso a qualquer momento. Noutro vídeo,
chama o ato de “disciplinado e pacífico” e pede apoiadores que não façam
eventos em outras cidades.
Em
tese, também há o receio de que o ato não atinja o número estimado de
manifestantes, de 500 mil a 700 mil, para transmitir pesado respaldo popular. A
fotografia se completa pela lista de políticos no palanque. Para a manifestação
são esperados o prefeito da capital paulista, Ricardo Nunes (MDB), os
governadores de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos); de Minas Gerais,
Romeu Zema (Novo); de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil); e de Santa
Catarina, Jorginho Mello (PL). Ainda está prevista a presença de quase um
quinto dos 584 congressistas, com cerca de 100 deputados e de 10 a 15
senadores. O rumor da presença do embaixador de Israel, Daniel Zonshine, não se
confirmou.
Fábio
Wajngarten, advogado de Bolsonaro, afirmou na quinta-feira (22) que a
expectativa para o ato “é a melhor possível”.
“Bolsonaro
terá uma grande oportunidade de fazer um balanço do seu governo. Vai falar do
momento após as eleições e do futuro do Brasil”, comentou ele após o depoimento
do ex-presidente à PF no inquérito que investiga suposta tentativa de golpe, no
qual foi orientado a permanecer calado devido à falta de acesso à delação do
tenente-coronel e ex-ajudante de ordens Mauro Cid e às transcrições de
mensagens em dispositivos apreendidos, impedindo o pleno conhecimento dos
motivos que levaram à convocação de Bolsonaro.
Semana
marcada por rumores de prisão e ameaças de governistas: Ao longo da
semana, os advogados do ex-presidente tentaram três vezes adiar o depoimento
dele – mas em todos os casos tiveram o pedido rejeitado pelo ministro Alexandre
de Moraes, relator do caso no Supremo Tribunal Federal (STF). O silêncio também
serviu para evitar que Bolsonaro entrasse em contradição com os demais
investigados. Prestaram depoimentos à PF no mesmo horário dele os ex-ministros
Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional), Walter Braga Netto (Casa
Civil e Defesa), Paulo Sérgio Nogueira (Defesa), entre outros, para evitar
combinações. Desde o começo do dia circularam boatos sobre a preparação de
celas para a prisão do grupo.
Wajngarten
declarou que a defesa de Bolsonaro acionou o ministro Luiz Fux, do STF,
solicitando que desconsidere pedido de habeas corpus preventivo impetrado pelo
advogado Jeffrey Chiquini da Costa, com objetivo de evitar que o ex-presidente
seja detido por liderar o ato político. Para especialistas, a motivação para
isso seria caso ele fizesse apologia ou incitação ao crime. Eles, contudo,
divergem sobre a hipótese de mera convocação já ensejar prisão preventiva,
motivada pelo receio de violação da paz pública. Isso ocorreria porque o
ex-presidente é, no momento, investigado por suposta participação em crimes
contra a democracia.
De
acordo com o roteiro do ato de domingo, a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro
foi escolhida para fazer a abertura por meio de uma oração, seguida da execução
do Hino Nacional. Espera-se na sequência discursos, de três minutos, dos
deputados Gustavo Gayer (PL-GO), Nikolas Ferreira (PL-MG) e Coronel Zucco
(PL-RS); dos senadores Magno Malta (PL-ES), Flávio Bolsonaro (PL-RJ) e Rogério
Marinho (PL-RN), além do governador de São Paulo e do pastor Silas Malafaia,
cuja Igreja Assembleia de Deus Vitória em Cristo é a patrocinadora dos carros
de som.
Em
vídeo divulgado no domingo (18), Malafaia pediu aos fiéis que orassem e
fizessem jejum por 12 horas em “favor da nossa nação” no dia do depoimento de
Bolsonaro à PF. Ele reforçou o pedido para que não sejam levados cartazes e
faixas. Em mensagem divulgada nas redes sociais neste sábado (24), o líder
religioso previu que o ato será uma festa pacífica da democracia, com a
proteção da Polícia Militar. Bolsonaro chegou a São Paulo neste sábado (24)
pela manhã e se hospeda no Palácio dos Bandeirantes, sede do governo paulista,
a convite do governador.
Sob
o lema de “Deus, pátria, família e liberdade”, a manifestação contesta a
perspectiva de o ex-presidente pegar uma pena de até 23 anos de prisão e ficar
inelegível por mais de 30 anos. Ele já foi condenado pelo Tribunal Superior
Eleitoral (TSE) por suspeitar da segurança do sistema eletrônico de votação.
Bolsonaro e sua defesa negam em suas declarações qualquer envolvimento em
irregularidades.
Ato
para mostrar o respaldo popular é a principal aposta: A grande aposta de
Bolsonaro para tentar mostrar força política, apesar de estar inelegível até
2030, depende do total de pessoas presentes e da participação de outros nomes
relevantes da política. Não por acaso, houve forte mobilização nos últimos dias
da direita em favor do 25 de fevereiro. Caso mostre capacidade de continuar
agregando em torno de si a maioria das forças conservadoras, Bolsonaro assume
de vez o posto de principal cabo eleitoral de 2024 e de 2026. Do contrário, a
direita tende a reorganizar-se com outros nomes. Pesquisa do instituto Atlas
Intel, divulgada este mês, indica que 42,2% da população vêem investigações
contra Bolsonaro como perseguição e 40,5% discordam.
De
2019 e 2022, quando era presidente, houve série de protestos em favor de
Bolsonaro, com críticas ao Judiciário. Em 7 de setembro de 2021, por exemplo, o
ex-presidente afirmou, também na Avenida Paulista, que não cumpriria mais
decisões proferidas por Alexandre de Moraes. “A paciência do povo se esgotou,
ele tem tempo ainda de pedir o seu boné e ir cuidar da sua vida”, discursou.
Dois dias depois, ele divulgou carta na qual disse não ter “intenção de agredir
quaisquer dos poderes”.
Em
resposta à organização do ato do domingo, o diretório paulista do PT apresentou
representação ao Ministério Público Eleitoral (MPE) do Estado, alegando que o
ato pode repetir o 8 de janeiro, quando as sedes dos Três Poderes foram
invadidas. Além de estudar outras medidas para barrar o evento, governistas
procuraram nos plenários e na imprensa afugentar participantes, inclusive com
ameaça de prisões em massa.