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A tragédia do Sul não merece o apagamento

A tragédia do Sul não merece o apagamento. Não tenho dúvidas de que o povo gaúcho encontrará meios de reconstruir cada pedaço de chão, cada parede e cada telhado de casa

A imagem do cavalo Caramelo resistindo em cima do telhado é, sim, simbólica. Um estado quase em sua totalidade submerso também. A força daquilo que enxergamos no Rio Grande do Sul é proporcional ao que sentimos nos últimos dias, desde que o mundo se deu conta da grandiosidade da catástrofe. Hoje, quando fechamos os olhos, essas imagens permanecem e ficarão durante muito tempo na memória coletiva de um país. O retrato da tragédia, fruto da falta de cuidado com o planeta.

Resistiremos a mais uma lembrança triste? Daqui a pouco esqueceremos e retomaremos nosso script como se nada tivesse acontecido? A pandemia ainda está em mim com toda a força. Mudei depois dela. Muitos mudaram. Mas tantos outros trataram de higienizar a memória e tocar a vida como se não houvesse amanhã. Você está em que grupo? Tem pressa de viver o presente, mas não se dá conta de que amanhã já é futuro?

Não julgo quem prefere o apagamento. Mas esquecer é também morrer para a realidade. Tudo passa: esta é uma verdade incontestável. No entanto, pergunto: como passaremos? De costas para o planeta ou ouvindo seus recados? Fingindo que não há culpados, que não há negligência dos governos, que não há omissão ou tomando para si a consciência de que a catástrofe poderia ter sido evitada?

A solidariedade brasileira é linda e necessária. Ver a capacidade de mobilização de um povo que se dói pelos seus comove e nos dá esperança. Precisamos juntar forças para ir além, para fiscalizar e cobrar medidas que sejam eficazes para a prevenção dos grandes desastres, que nada mais são do que recados ruidosos da natureza. Nosso planeta pede socorro também.

Já estamos na era dos refugiados climáticos, em fuga da chuva, da enchente, do calor extremo. Já sabemos que a temperatura do planeta vai subir em níveis absurdos e de forma mais rápida do que previam os cientistas. Faremos o que com essas previsões? Esqueceremos, fingiremos que não é conosco, continuaremos consumindo como antes, deixaremos um planeta em ruínas para nossos netos e as futuras gerações?

Sim, este é um artigo cheio de perguntas sem respostas. Porque depende de cada um de nós refletir e ver como transformar mais essa dor em ação. Seria maravilhoso que a ação fosse preventiva; que, em vez de tentar remediar a tristeza por nossos irmãos do Sul, tentássemos evitar que ela aconteça de novo, de novo e de novo lá ou em outro lugar.

Quando a água baixar, veremos uma terra arrasada. E será uma tristeza absurda. Não tenho dúvidas de que o povo gaúcho encontrará meios de reconstruir cada pedaço de chão, cada parede e cada telhado de casa. E que contarão com a ajuda dos brasileiros. Afinal, é isso que faz um país.

Os símbolos são muitos e ajudarão a escrever uma história lá na frente. Nós, no entanto, somos as testemunhas vivas - como será a nossa narrativa para o futuro? Eu quero olhar de frente para o planeta e dizer que, em nome dele e de todos os que habitam esse espaço, mudarei meus hábitos e estarei atenta aos recados.


Ana Dubeux – Correio Braziliense




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