Quem quer que se dê ao trabalho de fazer um apanhado geral das principais notícias veiculadas diariamente na imprensa brasileira, na tentativa de entender o Brasil atual, por certo, não chegará a lugar algum. A razão é simples: o Estado Brasileiro, e não a nação, parece estar de cabeça para baixo. Aqui também a explicação é simples: as principais instituições do Estado, comumente chamadas de Poderes da República, ousaram enveredar por caminhos paralelos à Constituição, mal tangenciando o que ordena a Carta de 88.
Com isso, pouco tem restado dos preceitos básicos de harmonia e independência entre Poderes. O que existe, de fato, é uma espécie de caldeirada ou sarrabulho, onde já não se distinguem cada um dos ingredientes. Trocando em miúdos, é o que se tem para hoje. Se não, vejamos: O principal setor da economia brasileira hoje é, sem dúvida alguma, o agronegócio, que movimenta uma imensa cadeia de atividades, dando emprego para aproximadamente 30 milhões de pessoas, o que corresponde a 27% no total de mão-de-obra ocupada em nosso país.
Não surpreende que esse setor seja o responsável por 49% da pauta exportadora em nosso país. Na verdade, o agronegócio é o único setor em nosso país que possui vida própria, anda com as próprias pernas, e, portanto, não depende diretamente de governos ou de oscilações e humores de mandatários. Mesmo com todas essas credenciais positivas, capaz de salvar o país da inadimplência certa, o atual governo faz questão de não se entender com os produtores rurais, os quais critica costumeiramente.
O Agrishow, que acontece agora em Ribeirão Preto (SP), é a maior feira agropecuária do Brasil e uma das maiores do mundo, com estimativa de movimentar, em poucos dias, cerca de R$ 13,2 bilhões em negócios. Num acontecimento portentoso como este, o presidente envia um representante com receio ou a certeza de não ser bem recebido pelos produtores. Mesmo assim, para uma abertura oficial da feira, realizada para convidados selecionados a dedo. Não dá para entender. De outro lado, o mesmo governo, cujo dom de negociar politicamente com o Congresso e sem a liberação de verbas é escasso como água no deserto, prefere enviar, diretamente ao Supremo, onde parece ter uma “bancada” favorável, a questão da desoneração da folha de pagamento de diversos setores da economia.
Com esse gesto, que de sobra tornou-se um caminho natural, seguido, inclusive, pelos próprios parlamentares, vai tornando obsoleto o próprio Legislativo. Em tempos não muito distantes, esse rito transversal seria impensável. O mais curioso é que essa questão caiu nas mãos de um ministro que, até há pouco tempo, era ninguém menos do que o advogado de defesa do atual mandatário. Dá para entender?
Noutro lado do campo e para dar mais nonsense ao que ocorre hoje em nosso país, a questão sensível da demarcação das terras indígenas, dentro do chamado Marco Temporal, volta à baila no Supremo mesmo depois de já ser decidido no Congresso, onde esse assunto espinhoso deveria ter, no arranjo constitucional entre os Poderes, seu berço natural. Para complicar o que em si já é demasiado controverso, o Supremo, que já havia revertido sua jurisprudência anterior, abriu um processo de conciliação entre as partes, o que num Estado racional, seria função exclusiva do Legislativo. Dizer que ninguém se entende nessa atual República talvez seja a única explicação racional capaz de tornar inteligível o Brasil atual.