O
presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), afirmou na terça-feira que não
há “pressa” para levar ao plenário o projeto de lei que legalizaria no Brasil
não apenas os cassinos e os bingos, mas até mesmo o jogo do bicho. O mais
provável, segundo Pacheco, é que a votação fique para depois do recesso
parlamentar. No dia 19, o PL 2.234/22 passou pela Comissão de Constituição e
Justiça (CCJ) em votação apertada, com 14 votos favoráveis e 12 contrários;
Pacheco adiantou que, apesar de um acordo pelo qual o PL ainda passaria por
outras comissões do Senado, como a de Assuntos Econômicos, a tendência seria
submeter logo o texto ao voto de todos os senadores – que, esperamos,
finalmente percebam que os supostos benefícios são muito inferiores ao
potencial dano que a legalização causará à sociedade.
Entre
os apoiadores do projeto está o governo federal – informações de bastidores
apontam que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, estaria na articulação pela
aprovação do PL 2.234. Os argumentos desta ala resumem-se, basicamente, ao
dinheiro que a atividade movimentaria; a Fazenda está especialmente de olho no
potencial de arrecadação de impostos, já que esta é a única forma que Haddad e
Lula (que prometeu não vetar a lei, caso o texto acabe aprovado) conhecem de
equilibrar o orçamento e as formas atuais de arrancar mais dinheiro do
contribuinte brasileiro estão se esgotando. Mas enxergar a questão apenas por
este prisma – mesmo considerando-se o argumento da possível geração de empregos
– é apequenar o debate.
Há
muitos outros meios de gerar emprego e fomentar o turismo sem legalizar uma
atividade com um potencial tão prejudicial a indivíduos, suas famílias e à
sociedade como um todo
O
vício em jogos de azar é doença oficialmente reconhecida pela Organização
Mundial da Saúde há mais de três décadas. O prejuízo que este vício causa não
apenas ao jogador compulsivo, mas a todo o seu entorno, ultrapassa a evidência
anedótica e está fartamente documentado na literatura científica. O viciado
corrói as finanças de sua família, privando-a muitas vezes dos valores
necessários à sua subsistência – um efeito que também se observa com o vício em
drogas. Dívidas de jogo ou desavenças relacionadas à jogatina são estopim para
crimes contra a vida. Analisando-se a questão em uma perspectiva macro, a
jogatina é ambiente propício para atividades como lavagem de dinheiro, e já se
sabe que as grandes facções criminosas brasileiras estão se aproveitando do
fenômeno das apostas esportivas para turbinar suas finanças, com as
consequências que toda a sociedade está cansada de conhecer.
Tampouco
faz sentido o argumento de que a legalização de cassinos representaria uma
grande oportunidade para o turismo no Brasil, justificativa usada pelo relator
do PL na CCJ, o senador Irajá (PSD-TO), e pelo ministro do Turismo, outro
membro do primeiro escalão do governo empenhado em defender o projeto junto aos
senadores. Se hoje o Brasil exibe números medíocres de visitantes estrangeiros,
isso nada tem a ver com a ausência de cassinos. O enorme potencial turístico do
Brasil, com suas belezas naturais, cultura vibrante e povo com fama de alegre e
acolhedor, é subaproveitado porque nossa infraestrutura é precária, porque nos
faltam ferramentas para melhor receber o estrangeiro – inclusive proficiência
em outros idiomas – e porque o país tem sérios problemas de segurança pública
que espantam os visitantes. Acreditar que algumas dezenas de cassinos teriam o
poder mágico de dobrar o número de turistas estrangeiros (como chegou a afirmar
Irajá em 2022) sem que todas essas deficiências sejam resolvidas é de uma
enorme ingenuidade.
Há
muitos outros meios de gerar emprego e fomentar o turismo sem legalizar uma
atividade com um potencial tão prejudicial a indivíduos, suas famílias e à
sociedade como um todo, da disseminação do vício em jogos ao fortalecimento do
crime organizado. A vedação atual à atividade dos cassinos e bingos, portanto,
não é uma proibição paternalista, nem desproporcional; é a autêntica defesa dos
interesses da sociedade. Defesa esta que, caso o projeto vá mesmo ao plenário,
exigirá uma mobilização ainda maior dos senadores que quase conseguiram barrar
a legalização da jogatina na CCJ.