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Prerrogativas

Prerrogativas

Políticos calejados na lida diária e nos debates no Congresso aprenderam, há muito tempo, que, em relação aos Poderes da República, é necessário uma vigilância constante e uma atuação sempre presente e firme para impedir que outro Poder venha ocupar o vácuo deixado. Em se tratando de poder, não há possibilidade de haver espaços vazios. Sempre que isso ocorre, imediatamente outro Poder vem e ocupa o espaço, num jogo parecido com a antiga brincadeira de correr em volta das cadeiras.

Há também no mundo político a possibilidade de alguém puxar rapidamente a cadeira, impedindo que outro sente-se nela. Em ambientes como esse, o jogo é sempre bruto, apesar dos salamaleques e dos rituais cerimoniosos. É exatamente o que vem ocorrendo nesses últimos tempos com o Congresso, ou, mais precisamente, com suas lideranças.

Ao deixarem de exercer suas prerrogativas legais, ou protelar a tomada de decisões importantes para a nação, imediatamente outro Poder se achega e ocupa o espaço vazio. Entenda-se por espaço vazio toda e qualquer decisão não deliberada no espaço e tempos devidos.

Qualquer outra análise que pretenda explicar ou justificar a inoperância do Legislativo atual torna-se desnecessária ante ao que está exposto aos olhos de toda a nação. Por isso, não chega a ser surpresa que, mais uma vez, a mais alta Corte tome a dianteira e, numa clara manifestação de empoderamento, decida sobre matéria que, para a unanimidade daqueles que entendem de prerrogativas dos Poderes, esse não era, nem de longe, assunto para ser decidido pelo Judiciário.

Trata-se do rumoroso caso da descriminalização do porte de maconha. O Supremo, ante a impassividade do Legislativo, pôs um ponto final nessa discussão, decidindo, por conta própria, descriminalizar o porte de maconha para uso pessoal. O Congresso sabia dessa possibilidade. Depois do fato consumado, cuidou de fazer encenações para o público, criticando a medida e anunciando que tomará decisões próprias e cabíveis.

O ministro Luiz Fux, ao reconhecer a invasão de prerrogativas de um poder sobre o outro, cuidou de afirmar que “a lição mais elementar que aprendi ao longo de quatro décadas de exercício da magistratura é o da necessária deferência aos demais Poderes no âmbito de suas competências, combinada com a altivez e a vigilância na tutela das liberdades públicas e dos direitos fundamentais”. Segundo ele, “não se pode desconsiderar as críticas em vozes mais ou menos nítidas e intensas de que o Poder Judiciário estaria se ocupando de atribuições próprias dos canais de legítima expressão da vontade popular”.

Nesse ponto, o ministro Fux deixa claro que a decisão, como o caso da descriminalização da maconha, é “reservada” apenas aos Poderes integrados por mandatários eleitos. Ele afirmou com todas as letras: “Nós não somos juízes eleitos. O Brasil não tem governo de juízes, e é por isso que se afirma e se critica, com vozes intensas, o denominado ativismo judicial”.

Em sua opinião, o ativismo do Judiciário ocorre muitas vezes porque são os outros Poderes que empurram para o Supremo questões que deveriam ser decididas na arena política. Com essa estratégia entregue numa bandeja ao Poder Judiciário, este, forçosamente, tem que assumir um “protagonismo deletério”, que acaba por corroer sua credibilidade. Para o magistrado, é no ambiente político que deputados e senadores têm que decidir sobre questões dessa natureza, assumindo e pagando o preço social por isso.

A frase que foi pronunciada: “Posso apenas dizer que não existe um homem vivo que deseje mais sinceramente do que eu ver um plano adotado para a sua abolição — mas só existe um modo adequado e eficaz pelo qual isso pode ser realizado, e esse é através da autoridade legislativa: e isso, no que diz respeito ao meu sufrágio, nunca faltará.” (George Washington)

Circe Cunha e Mamfil – Coluna “Visto, lido e ouvido” -Ari Cunha – Fotos: STF/Divulgação - Pintura de George Washington – Domínio Público via Wikimedia Commons – Correio Braziliense




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