Não é surpresa para ninguém que as
relações entre o Brasil e Argentina têm sido tensas nos últimos meses,
especialmente sob o governo de esquerda de Lula e do presidente direitista e
economista argentino, Javier Milei. Depois das catimbas no futebol e das
preferências entre o reinado de Pelé e de Maradona, as relações entre os dois
países hermanos descambaram para o lado político da baixaria, com xingamentos e
ofensas pessoais que não merecem aqui ser repetidas.
Desde as campanhas
eleitorais, era visível para todos que, caso Milei viesse a ser eleito, as
relações entre esses dois países seriam tensas desde o primeiro dia. Milei não
engoliu a interferência do governo brasileiro nas eleições de seu país.
Portanto, não por enquanto, há sinais de que esses desentendimentos sejam
sanados, satisfatoriamente, a curto prazo.
Do ponto de vista de
ambos, há uma antipatia que se estende desde motivos ideológicos a pessoais.
Como os dois países têm uma estrutura política presidencial, que é quase uma
monarquia, dado o poder de interferência na vida de seus povos, dificilmente haverá
uma conciliação amigável. Fosse em tempos passados, essas rusgas facilmente
resultariam em confronto armado, dado a animosidade de um e o caudilhismo
natural do outro.
Não é à toa que dizem
que a política é sempre a fronteira entre a diplomacia e a guerra. Tendo em
vista que os dois mandatários não irão estabelecer nenhuma outra relação mais
íntima, restam aos países manter apenas conversações no âmbito dos Estados, sobretudo
naquilo que interessam a ambos, que é o comércio bilateral.
A Argentina é,
atualmente, o terceiro maior parceiro comercial do Brasil, atrás apenas dos
Estados Unidos e da China. Existe ainda um perigo que precisa ser sanado caso a
Argentina, por qualquer motivo, resolva se afastar do Mercosul, como alguns
sinais indicam. O Mercosul, sob a coordenação de alguns governos, passou a dar
maiores preferências às relações do tipo ideológicas, com a insistência
declarada para que países autocráticos tenham os mesmos direitos que outros
países filiados ao bloco. Mesmo a entrada da Bolívia no bloco, patrocinada pelo
Brasil, desagradou o governo argentino.
No campo dos embates
pessoais, o jogo está 1×1. Lula não foi à posse de Milei. Milei veio ao Brasil
e não se reuniu com Lula. Nos dois países, as torcidas, tanto da direita quanto
da esquerda, são para que essas rusgas continuem e até escalem para um nível
mais preocupante. São como duas torcidas em dois países que se tornaram
polarizados politicamente.
O Itamaraty chamou o
embaixador em Buenos Aires para conversações — talvez, na tentativa de mostrar
ao governo argentino que as relações bilaterais estão se degradando. Milei, por
sua vez, tem preocupações mais internas e parece não ter dado corda para esse
fato. Existe, é claro, a possibilidade de as relações pessoais entre Lula e
Milei caírem para segundo plano quando as relações econômicas passarem a pesar
mais nessa balança.
Há pressão dos
empresários para que nada nem ninguém venha a se pôr como obstáculo nas
relações entre os dois Estados. Interessante notar que nem o Brasil nem a
Argentina têm, no momento, uma situação econômica confortável. Nesse caso,
ambos os países poderiam fazer um esforço conjunto na busca de um melhor
entendimento, visando o que é importante nas relações entre eles: uma parceria
econômica saudável e vantajosa para ambos.
Observa-se que muitos
países que não mantêm relações políticas em alto nível são capazes de
comercializar entre si sem maiores problemas. A balança comercial não tem lado
político. Tende a ser favorável sempre aos países pragmáticos. Amor e economia
não andam de mãos dadas. Se existe amor nesse caso, é sempre um amor
interesseiro. Nessa pendenga, ficar de um lado ou de outro, mesmo a despeito de
nacionalismos infantis, pouco adianta, embora, a essa altura dos
acontecimentos, já se saiba que a diferença fundamental entre o Brasil e a
Argentina são que aquele país, com a posse do Milei, segue no caminho certo,
com corte de gastos públicos, cortes de mordomias, privatizações, enxugamento
rigoroso da máquina do Estado, entre outras medidas corretas.
O Brasil,
infelizmente, segue no rumo oposto, com irresponsabilidade fiscal, sem
projetos, com altíssima carga tributária e tudo o mais, sinalizando que, em um
breve espaço de tempo, estaremos piores que nossos vizinhos. Mais pobres e, não
por isso, menos orgulhosos de nossas escolhas erradas. Fosse uma briga de
comadres, poderíamos dizer que estamos com inveja dos hermanos.