Não é de hoje que o sistema de freios e contrapesos,
contido na Constituição de 1988 e que regula a chamada Teoria da Separação dos
Poderes, o que, em suma, visa controlar e equilibrar os poderes, obrigando cada
um a controlar e fiscalizar o outro, vem sendo seriamente extrapolado,
interferindo na harmonia e independência entre eles. De um modo geral, o que se
observa é que a hipertrofia de um poder resulta na hipotrofia de outro,
tornando inócuo o próprio sistema de freios e contrapesos.
Quando isso acontece, as crises institucionais são
inevitáveis. Em nosso caso específico, o que a população está assistindo é a
uma verdadeira guerra entre os poderes, cujas origens estão lá atrás, na
judicialização da política e na sua coirmã, a politização da justiça. Querer
convencer a sociedade brasileira do contrário não só não ajuda a pôr um fim
nessa crise como favorece sua continuidade. Há que encarar o problema.
A política, por sua natureza complexa, tem os próprios
princípios, sendo que, entre nós, esses princípios nem sempre vão ao encontro
do que deseja a população. A justiça, por seu lado, tem suas regras, todas elas
fixadas no papel, sejam na Constituição, nos códigos e em todos os alfarrábios
de leis. Ocorre que, quando submetida às altas Cortes, essas leis passam a
ganhar também uma interpretação subjetiva, oriunda da cabeça do juiz. E é aí
que a situação adquire o gás necessário para fazer mover as crises.
A queda de braço entre Judiciário e Legislativo, que
começou mal e prossegue a todo o vapor, pode vir a ter um final ainda pior. Não
para seus protagonistas, mas para a nação. O que se quer é juízo e um cessar de
exibição de egos. O Poder Executivo, nessa contenda, surge como figurante de
terceiro plano, dada a sua natureza instável atual e ao pouco apoio que
contabiliza tanto dentro do Congresso como nas ruas.
Antiga tática de guerrilha na selva ensinava que,
quando o inimigo avança, a outra força deve recuar. Do mesmo modo, quando o
inimigo recua, deve-se avançar e, quando o inimigo para, deve-se igualmente
parar. Ao que parece, é essa a tática que vem sendo usada por esses dois
poderes em prejuízo de uma República que padece pela ausência de verdadeiros
estadistas.
O pacto social defendido pelos pais da teoria
tripartite do poder — John Locke e Montesquieu, no século 18 — para organizar a
sociedade entre homens livres previa que as leis aprovadas pelos representantes
do povo seriam aplicadas por juízes imparciais, com o propósito de manter a
harmonia entre os indivíduos. Nesse pacto, o governante seria o executor das
vontades do povo. Ao que parece, essas lições básicas, que foram, contudo,
inseridas em nosso modelo de governo, estão sendo deixadas de lado.
Querem, com isso, reinventar uma espécie de roda
quadrada, cujo bom desempenho só é possível na cabeça daqueles que a
conceberam. O pior é que o pobre do cidadão que optar por ficar de um lado ou
de outro nessa contenda terá ficado sempre do lado errado. Nessa querela, o
único lado certo é aquele ditado pela Constituição quando observada,
literalmente, suas linhas pretas sobre o papel branco.