Mais uma vez a vida política brasileira se joga numa
discussão em que todos falam, falam e falam. Mas, cada vez, se fala o
menos possível daquilo que realmente deveria estar sendo falado. O jornalista
Glenn Greenwald, com o apoio de gravações obtidas por meios legais, revelou em
reportagem publicada na Folha de S. Paulo que o ministro Alexandre de Moraes
usou a máquina do TSE para instruir decisões tomadas por ele próprio no STF.
Desde então formou-se um intenso debate na imprensa, também entre advogados e
no meio dos gatos gordos do governo para se determinar o que menos interessa na
história toda: se houve ou não alguma ilegalidade nas ações do ministro, do TSE
e do STF.
juristas, penalistas, especialistas, fora os esquadrões
de “enfrentamento” aos “ataques” contra o judiciário, chegaram à conclusão
majoritária que até uma criança com dez anos de idade podia ter - não há, ou
não se pode dizer que há, nada de errado com nada do que o ministro fez. Tanto
barulho para se dizer isso? O STF, e Moraes acima de todos os outros, sempre
têm razão. É a cláusula mais “pétrea” da única Constituição que está valendo de
fato no Brasil de hoje.
Vieram, dessa vez, com uma conversa sobre “o rito” –
algo como falar sobre a roupa do padre, mas não sobre o que ele fez durante a
missa. O “rito” das ações de Moraes, dizem, deveria ter sido este, deveria ter
sido aquele, e mais a maçaroca que sempre sai do patuá jurídico. E daí? Com
rito ou sem rito, o ministro, e os colegas cuja preocupação principal é
concordar com ele em tudo, fazem há pelo menos cinco anos o que bem entendem no
comando real da justiça brasileira.
Nenhuma decisão que Moraes tomou foi contestada até
hoje, e nem vai ser, por um motivo muito simples: ele tem razão não porque tem
a lei a seu lado, mas porque tem a força. Quem precisa de “rito”, ou de
qualquer outra tapeação do mesmo pesqueiro, quando a razão armada lhe dá
suporte? Texto e espírito da lei, jurisprudência, precedentes – nada disso
serve, no mundo das realidades, quando é a força que decide.
A Constituição é um caderno em branco em que os
ministros vão escrevendo a cada dia a regra que lhes convém
Alexandre de Moraes não fez o que as gravações revelam
porque era legal – fez porque pode fazer. É cômico ficar debatendo se o TSE tem
“poder de polícia”, se o ministro não podia “oficiar a si próprio”, se o
tráfico de conversas entre quem acusa e quem julga faz parte do processo legal,
e por aí afora. Nada disso faz sentido quando o Poder Público no Brasil, como
um todo, permite, passivamente, que o STF seja hoje em dia a Grande Árvore
Envenenada da justiça nacional. Sabe-se bem o conceito básico do direito:
qualquer procedimento que começou com uma ilegalidade torna ilegais todas as
decisões que derivaram dele, assim como uma árvore envenenada só pode produzir
frutos contaminados por seu próprio veneno.
O inquérito perpétuo do STF (já está aberto há cinco
anos, e não tem data para acabar) sobre “fake news”, “atos antidemocráticos” e
“ataques ao STF” é integralmente ilegal. Também é ilegal o inquérito do
ministro Moraes sobre o “golpe do 8 de janeiro”. As centenas de decisões saídas
de ambos, em consequência, são todas ilegais – estão envenenadas pelo veneno
original.
É isso que vem ao caso: o Brasil, para atender os
interesses do governo Lula, dos magnatas que o apoiam e das organizações de
esquerda, no arco que vai do PT à CUT, do Psol ao MST, vive num regime sem lei.
Quem faz a lei é o STF, em parceria com os seus sócios do governo. A
Constituição é um caderno em branco em que os ministros vão escrevendo a cada
dia a regra que lhes convém no momento. O incesto procedimental entre STF e
TSE, trazido à luz pelas gravações, é a tomografia da situação. Pior que ela é a
doença.