É importante entender a causa e a consequência dos
eventos. O Ministro Flávio Dino, do STF, suspendeu as emendas individuais, que
são as alocações orçamentárias dos deputados e senadores nos estados e
municípios.
Na sequência, o centrão iniciou um processo de rever
as decisões monocráticas do STF. Há dois erros graves nesse entrevero: os
parlamentares não deveriam estar viciados em emendas; e o STF não deveria estar
viciado no poder monocrático individual de cada ministro. Infelizmente, tanto o
Legislativo quanto o Judiciário estão, respectivamente, em falta com suas
funções constitucionais.
O imbróglio: tudo começou quando o ministro Flávio
Dino suspendeu o pagamento das emendas PIX, que permitem a destinação direta de
recursos federais a estados e municípios sem controle e fiscalização. Até aí, a
decisão procede, pois ninguém pode ser favorável à falta de transparência, mas
a decisão atingiu a maioria dos deputados e senadores do centrão, que vivem
dessas emendas. Podia ficar pior, e ficou.
A nova decisão de Dino suspendeu também as emendas
impositivas e afetou todas as emendas individuais e também as de bancada
estadual e de comissões. Ou seja, até as emendas transparentes foram
bloqueadas.
O vício nas emendas: era uma vez um Poder Legislativo
que deveria legislar e monitorar o poder executivo tal qual definido na
Constituição. Mas aí ele tornou obrigatórias as orientações do uso do orçamento
federal de cada bancada estadual e mais tarde tornou obrigatórias as emendas de
cada deputado e senador individualmente.
Embora seja bom o Congresso controlar todo o
orçamento, ter acesso a recurso público, direto na veia, na forma de emendas,
se tornou a droga para os parlamentares invisíveis do centrão, que não têm
opinião, representatividade ou função no debate federal.
Em outras palavras, as emendas são a moeda que elege
os que não deveriam se eleger e essa distorção perverte a função do
congressista tornando-o em um “vereador federal”.
Vício nas decisões monocráticas: O STF, por sua vez,
age sempre no erro quando permite decisões monocráticas de seus juízes.
Frequentemente somos expostos aos abusos políticos dessa liberalidade de um
ministro do STF.
E quanto aos abusos de natureza econômica? Deles pouco
se fala, mas ter o poder de, monocraticamente, aplicar ou aliviar multas em
grandes empresas, emitir liminares e pareceres legais a grupos de interesse
podem se tornar um grande negócio. Sabendo disso, o Congresso resolveu reagir.
A Câmara e o Senado, na última quinta-feira, dia 15,
protocolaram documento que pede a suspensão dos atos de Flávio Dino sobre as
emendas parlamentares, por interferência indevida no Poder Legislativo, mas no
dia seguinte o STF manteve a decisão do ministro, é claro. Agora a Câmara dos
Deputados espera avançar com a PEC que acaba com as decisões monocráticas dos
juízes - bem no estilo “se mexer no meu, eu mexo no seu.”
Quem perde no confronto desses dois viciados
certamente é a população, que paga por todo esse espetáculo dantesco no
crepúsculo da sétima república
Como acabar com isso? Incrível notar que o Congresso
tem se movimentado quase que exclusivamente em torno dessas emendas e não por
perder competência legislativa para o STF. Mas há uma saída desse círculo
vicioso.
Uma vez que o Poder Executivo se arroga arrecadador e
distribuidor de recursos, uma opção seria transferir todo o orçamento para o
Congresso, acabar com emendas individuais e criar critérios para emendas de
bancada estadual.
Pode até parecer que colocamos mais lenha na fogueira
para queimar, mas o debate sobre orçamento no Congresso é muito mais aberto e
amplo, envolve os destinos e os beneficiários dos recursos. Nenhum partido tem
maioria, portanto, não existe chance de se orientarem recursos
desproporcionalmente para um grupo ou outro, ficando a destinação mais dispersa
e diversa.
Nesse sentido, voltamos a lembrar o sistema
parlamentarista. Nos Estados Unidos, por exemplo, o orçamento é todo decidido
pelo Congresso Nacional. O Poder Executivo sugere, mas é o Legislativo que faz
a distribuição.
Aqui a arrecadação é toda do Poder Executivo, e o
gasto também! Precisamos separar essas duas entidades e suas respectivas
funções. Quem arrecada não pode decidir como gastar e vice-versa.
Seria uma medida bem-vinda tirar o orçamento do
Executivo e levar para o Congresso, apesar de serem necessários alguns ajustes,
mas mesmo assim seria um avanço contra qualquer plano totalitário do Executivo.
Dois errados que fazem um certo? A briga do centrão
com o governo pelo orçamento era inevitável, uma vez que o governo está com
rombo fiscal crescente, gastando só com seus camaradas, e o centrão tira
recursos desse esquema para colocar em outros esquemas nos quais o governo não
participa, nem se beneficia. O STF, nesse contexto, apareceu para ajudar o
governo, afastar o centrão do dinheiro e assumir a briga.
Agora o confronto é para ambos manterem seus vícios e
não para consertarem o que está profundamente errado no nosso estado de
direito.
Pode ser que o caminho certo caminhe pelas vias
erradas. Como em toda briga, todos sabem dizer como ela começou, mas ninguém
sabe dizer como vai acabar.