Há 90 anos, em 19 de agosto de 1934, o chefe de
governo da Alemanha – por lá chamado “chanceler”, Adolf Hitler, com o
falecimento do chefe de Estado, o presidente Von Hindenburg, decidiu assumir
também a chefia de Estado e se intitulou Führer – o “condutor”.
A partir de então, todos conhecemos a história. Passou a ser condutor,
legislador, dono das vidas e direitos de todos. E levou a Alemanha à sua maior
tragédia. Outro alemão, Karl Marx, já havia avisado que, quando a história se
repete, produz tragédia, e na segunda repetição produz apenas uma farsa.
Passados 90 anos, as pessoas envolvidas na política, os chamados homens
públicos, tomados pelos seus desejos e carências pessoais, continuam a semear,
sobre seus semelhantes, tragédias e farsas.
Aqui no Brasil, sem que tenhamos nos dado conta de
quantas dessas figuras já povoaram nossos dias, continuamos testemunhando esses
condutores do país, a nos levarem a lugar nenhum. Desde que nasci, convivi com
alguns. Terminaram em tragédias, como Vargas, ou farsas, como Jânio. Agora
estamos vivendo mais um capítulo de nossa história, outra vez com a
Constituição desprezada, como em tempos do ditador Vargas, e com caraterísticas
de comédia, como nos rompantes de Jânio. E vamos repetindo, como se fosse a primeira
vez, como se fosse a novidade que surgiu do nada. Na verdade, surgiu da nossa
complacência de deixar que os tais homens públicos decidam, com a sua
incompetência emocional, os nossos destinos, de nossa família, de nossas
empresas. Somos a massa de manobra que eles usam, para fingir que falam e agem
por nós.
Logo depois do grito da Independência, fizemos uma
Constituição. Durou até a da República. Os paulistas morreram por uma
Constituição; Vargas fez e desfez; os militares de 1964 precisaram da de 1967.
E nós fizemos a cidadã, de 1988. Quem a desrespeitasse seria traidor da
pátria, como praguejou o Doutor Ulysses. Nossos direitos e liberdades
alicerçaram-se nela. Censura nunca, cala-boca já morreu; quem for pessoa
pública tem de aceitar crítica e sátira. Beleza de democracia, só que não: quem
precisava zelar pela Constituição foi quem permitiu desprezá-la. Quem jurou
defender a Constituição, como presidente da República, não reagiu, não
defendeu.
Agora estamos à mercê de uma única pessoa, o
presidente do Senado. Da decisão monocrática do presidente do Senado, para
“voltar aos quadros constitucionais vigentes”, como eu tanto ouvi na minha
adolescência. Desrespeito à Constituição não é novidade para quem nasceu em
1940, mas continuo querendo respeito, porque a Magna Carta é o marco
civilizatório de uma nação. Fora dela é nação fora da lei, é a lei da selva,
campo aberto para um Führer ou Duce – um condutor, vista toga ou farda.
De Gaulle não disse, mas a frase atribuída a ele – de que não somos um país
sério – é verdadeira enquanto não tivermos o devido processo legal, o respeito
aos direitos e garantias fundamentais, a liberdade de informação e de
expressão, a vedação à censura e a inexistência de ambiente para surgirem
“condutores” que nos conduzam à tragédia.