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A verdade do poder

A verdade do poder

Não se sabe ao certo se o que disse Immanuel Kant (1724-1804) em relação à ética foi pensado nos acontecimentos passados que levaram à condenação de Sócrates (século.V a.C), na Grécia Antiga, quando afirmou: “Vive tua vida como se cada uma das suas ações fossem se converter em lei universal”. De certa forma, essa parece ter sido a vida de Sócrates, cujo único delito cometido contra o Estado Ateniense foi o de ter despertado, na juventude, o interesse pela filosofia, ou, mais precisamente, pela busca da verdade, como caminho a ser trilhado ao longo da vida. Em suma, foi acusado de fazer os indivíduos pensarem, o que para os tribunais do Estado se caracterizou como um ato de perverter a juventude, levando-a a questionar os dogmas políticos impostos àquela população.

Na famosa “Apologia de Sócrates”, escrita por Platão (séc. V a.C), os diálogos que se seguem dão a entender todo o desenrolar dessa trama histórica, que o levaria a condenação à morte pelo simples delito de filosofar. Na avaliação de Platão, Sócrates havia, de certa forma, sucumbido à força esmagadora representada pelo discurso político do Estado, sobretudo porque estava convicto, até o fim de sua existência, de que o raciocínio filosófico era superior a todo e qualquer discurso político imposto pela justiça estatal.

Nessas Apologias, por exemplo, Sócrates indaga seu ouvinte, questionando o que ele acredita ser a justiça. Seu interlocutor responde então que a justiça era simplesmente o que os mandatários querem que seja feito. Sócrates então rebate: e se eles mandarem você, por exemplo, matar sua mãe? Isso será justo? Seu aluno então responde: Não. Então, diz o filósofo, o que é a justiça? Qual o seu sentido final? O que Sócrates estava fazendo nesses diálogos pedagógicos (maiêutica) era extrair de seus alunos uma sabedoria ou um conhecimento que, segundo acreditava, eles carregam consigo, mas que está como que adormecido. Esses seriam conhecimentos ou luzes naturais que todos possuem.

Nenhuma autoridade, segundo o filósofo, pode nos dizer o que é justo ou injusto, se isso está em desacordo com nossas luzes naturais. Portanto, existe uma verdade na realidade e, basicamente, é isso que a filosofia busca conhecer. Todo esse aprendizado serviria como herança para o mundo ocidental, influenciando o pensamento e a filosofia dessa parte do globo até aos dias de hoje.

Dando um salto no tempo, temos o que hoje pode ser definido como um embate entre o poder da verdade vis a vis a verdade do poder. Mas, modernamente, temos a mesma discussão, representada agora pela força do direito versus o direito da força.

Para pôr ordem na casa, no caso aqui, o Estado, a Constituição e o que nela está determinado é que a justiça é uma garantia fundamental com valor digno e ético. Ulysses Guimarães, ao denominar a Carta de 1988 como uma Constituição Cidadã, queria afirmar que esse conjunto de leis maiores tinha essa marca impressa por garantir amplos direitos ao cidadão, com liberdades civis, promovendo sua inclusão e assegurando assim o Estado Democrático de Direito.

O artigo 5º da Constituição é claríssimo e deveria ser fixado em todos os lugares públicos deste país, como um libelo  liberdade e à cidadania. Assim, temos que a justiça, a partir de Sócrates, não é o que as elites no poder determinam, mas, sobretudo, aquilo que advém de uma verdade superior, muito além do poder. Dentro da doutrina cristã, diríamos, de modo sucinto, que a justiça vem de Deus e não de César. Condenado à morte em 399 a.C, Sócrates preferiu essa sentença àquela de exilar-se do país, pois sabia que com o desterro teria que ser obrigado a conviver com juízes injustos e com um modelo de Estado que não respeitava a liberdade individual de pensamento.

Para Sócrates, só existia um bem: o conhecimento. Para ele, também só existia um mal: a ignorância. “Por conseguinte, se alguém declara que a justiça significa restituir a cada um o que lhe é devido e, por isso, entende-se que o homem justo deve prejudicar os inimigos e ajudar os amigos, não é sábio quem expõe tais ideias. Pois a verdade é outra: não é lícito fazer mal a ninguém em nenhuma ocasião.”

A frase que foi pronunciada: “Nem todas as verdades são para todos os ouvidos.” (Umberto Eco)
Circe Cunha e Mamfil – Coluna “visto, lido e ouvido” - Ari Cunha – Fotos: Platão e Sócrates. Imagem: reprodução da internet - Umberto Eco. Divulgação – Correio Braziliense




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