Se não tem pão, que comam brioches. Se
a alface está cara, que comam chicória. De Maria Antonieta a Luiz Marinho, a
mitologia da relação entre o poder e o povo está repleta de abismos
representativos. No caso do ministro do Trabalho de Lula, a própria noção de
trabalho está mergulhada numa licença poética de digestão difícil e lenta.
Dane-se a inflação? Não é isso. Mas é
quase. No momento em que as projeções do índice de preços sobem, se
distanciando do centro da meta, o comandante do ministério que supostamente
guarnece os interesses do trabalhador achou que o melhor a fazer era minimizar
o problema. E a sobremesa da chicória foi mais indigesta: Luiz Marinho declarou
- não se sabe se num momento confessional ou por distração - que no governo
Lula não tem essa história de corte de gastos, não.
Textualmente: “Esse debate não existe
no governo. Se existisse, o presidente Lula teria falado: ‘Marinho, pega leve
ai’.” E completou: “O que é gasto? Coisa desnecessária. Se tiver alguma coisa
desnecessária tem que cortar.”
É muita sofisticação, diria a
companheira Maria Antonieta. Ainda mais se lembrarmos que esse governo ascendeu
com as bênçãos dos pais do Plano Real. Melhor nem lembrar. Melhor nem imaginar
o que um Edmar Bacha teria a dizer sobre essa sentença brilhante: “gasto é
coisa desnecessária”. Se o princípio da responsabilidade fiscal tivesse sido
construído com conceitos desse tipo, o Brasil estaria até hoje passando o pires
em reunião do FMI para não morrer à míngua.
Gasto é “coisa desnecessária” - ou
seja, é o que eu quero classificar como gasto - porque eu posso simplesmente
decidir que o balanço das estatais não entrará mais no meu demonstrativo
fiscal. É tipo assim: as contas domésticas não estão fechando? Tira o IPTU da
conta. Cria uma contabilidade paralela. Seus problemas acabaram.
O Banco Central classificou a política
fiscal do atual governo como “expansionista”. Um termo educado para gastança
E aparentemente sem freio, porque se
fosse para frear, o presidente da República já teria dito “pega leve aí”. Claro
que o melhor a fazer, em vez de pegar leve, é demonizar o Banco Central e seu
presidente. Uma instituição que fica alertando para a ameaça do dragão é muito
inconveniente.
Veja que recomendação desagradável
sobre a política de responsabilidade fiscal: é importante para “a ancoragem das
expectativas de inflação e para a redução dos prêmios de riscos dos ativos
financeiros, consequentemente impactando a política monetária”. Quem disse isso
foi o Banco Central. Em outras palavras: a gastança vai forçar o aumento dos
juros porque pressiona a inflação.
Quem disse que isso é um problema? Se o bicho pegar, comam brioche com chicória.