Repercute no país
inteiro o anúncio do indiciamento de Bolsonaro e mais 36 pessoas por tentativa
de golpe de Estado. Ainda na quinta-feira eu falava com outro juiz que me disse
a mesma coisa que eu já havia ouvido: tentativa de crime não é crime, a menos
que a pessoa tenha sido impedida pela polícia já no momento da execução.
Cogitar um crime não é crime; planejar o crime não é crime; mas executar ou
consumar o crime sim. Eu já falei aqui das quatro fases do “caminho do crime”;
nas duas primeiras fases não se executou nem se consumou o crime – no caso, a
tomada do poder, com o assassinato de pessoas, essa coisa toda.
Lendo o inquérito de
cabeça fria, chegamos a uma conclusão que é absolutamente surpreendente e
contrária ao que estão dizendo por aí: o herói nisso tudo seria Jair Messias
Bolsonaro, porque foi ele quem fez as pessoas desistirem do intento. Não houve
ataque a quartéis, não houve ataque a nada, não se quebrou nada, não se pegou
em arma, nada disso. Mas “jogaram a toalha”, como os próprios militares
disseram, furiosos com Bolsonaro, nas trocas de mensagens de WhatsApp mostradas
pela Polícia Federal. O inquérito tem frases como “o presidente não pode pagar
para ver”, “ele vai destruir nosso país”, “democrata é o cacete”, “‘não vou
sair das quatro linhas’, que história é essa?”, “nem tem quatro linhas”. Ou
seja, estavam furiosos porque queriam que o presidente assinasse um decreto que
eles imaginavam ser a aplicação do artigo 142 da Constituição, de intervenção
das Forças Armadas em defesa da Constituição e da lei. Bolsonaro não fez nada
disso, ficou nas quatro linhas e o poder passou para seu sucessor.
No fim, Lula não foi
atacado; não houve tentativa de atacar Lula, ou de assassinar o presidente
eleito ou Geraldo Alckmin, nem de prender qualquer um deles. Houve só
cogitação. Essa é a primeira questão. A outra foi levantada pelo ex-procurador
Deltan Dallagnol: o Supremo não seria o foro para julgar esse caso, e o juiz
apropriado não seria alguém que aparece como vítima.
Entre os 37
indiciados estão dois generais ligados a Bolsonaro: Augusto Heleno e Braga
Neto, que foi candidato a vice em 2022; ambos foram ministros de Bolsonaro. Há,
ainda, um outro general quatro-estrelas, um argentino, um padre, e o próprio
ex-presidente Bolsonaro, que, repito, está sendo acusado por aquilo que ele não
fez, pelo contrário: ele evitou que continuassem as cogitações e planejamentos
que não foram para a execução – na verdade, nem se sabe se seria execução ou
apenas um sonho. Vamos esperar o encaminhamento disso tudo, e imagino que o
Congresso Nacional esteja acompanhando os desdobramentos.