Enquanto os líderes do ocidente
democrático manifestam seu alívio após a queda do ditador sírio Bashar
al-Assad, o presidente da maior nação da América do Sul se vê obrigado a ficar
de bico calado.
Mas seria difícil esperar algo
diferente de Luiz Inácio Lula da Silva, que em 2010 concedeu a al-Assad a mais
importante condecoração brasileira oferecida a personalidades estrangeiras, o
Grande-Colar da Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul.
Conhecido como “O Carniceiro de
Damasco”, por ordenar ataques brutais ao próprio povo, o tirano recebeu a
honraria diplomática em julho daquele ano, durante uma visita ao Brasil — em
retribuição à viagem de Lula a seu país, sete anos antes.
Durante o encontro com al-Assad no
Itamaraty, o petista defendeu a devolução à Síria das colinas de Golã
(território estratégico ocupado por Israel em 1967, na fase final da Guerra dos
Seis Dias). Também afirmou que os sírios eram “sócios indispensáveis” na
pacificação do Oriente Médio.
Já o ditador elogiou o presidente por
buscar uma saída negociada para o fim do impasse sobre a política nuclear do
Irã (um de seus principais aliados). E chamou Lula, naquele e em outros eventos
da turnê, de “amigo”.
Para defender o governo do PT, a
esquerda hoje afirma que, em 2010, a Síria ainda não era alvo de sanções
generalizadas — algo que só aconteceu a partir do ano seguinte, com o início da
guerra civil.
Mas Bashar Al-Assad exercia o controle
do país de forma ditatorial desde a metade de 2000. E seu pai, Hafez, durante
30 anos mandou prender, torturar e matar milhares de opositores para se manter
no poder.
Os “passadores de pano” ainda omitem
que, em 2013, já na condição de ex-presidente, Lula colocou em dúvida se
Damasco realmente havia autorizado o uso de armas químicas contra a população.
Em 2018, deputado apresentou projeto
para revogar condecoração : Ao permanecer em silêncio diante da derrubada
de um ditador aliado — e a quem concedeu a maior honraria do governo brasileiro
—, o presidente novamente não surpreende. Apenas mantém sua postura ambígua e
de alinhamento com regimes autoritários.
No entanto, ao menos no campo
diplomático, essa vergonha nacional pode ser revertida. É o que vem tentando,
desde 2018, o deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ). Naquele ano, o parlamentar
apresentou um projeto para revogar o decreto que atribuiu a Bashar al-Assad a
Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul.
“A honraria é destinada a pessoas
estrangeiras que tenham se tornado dignas de reconhecimento do Brasil.
Indubitavelmente, não é o caso do ditador sírio”, afirmou à época.
Cavalcante ainda mencionou a grande
crise humanitária provocada pelo exército sírio e as denúncias de crimes contra
a humanidade ordenados por al-Assad (especialmente no tocante ao uso de armas
químicas).
“É inconcebível que um tirano brutal e
criminoso de guerra ostente a mais importante condecoração da nação brasileira,
que tem entre os seus princípios o respeito aos direitos humanos, a relação
fraterna e pacífica com a comunidade internacional, o respeito à pluralidade e
à diversidade e o apego à liberdade e à democracia — todos aviltados pelas
condutas bárbaras do ditador”, disse
A proposta ainda está em análise e, no
momento, passa pela Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional. Mas,
segundo a assessoria do deputado Sóstenes Cavalcante, que não estava disponível
para atender a reportagem da Gazeta do Povo, o parlamentar tentará levar a
matéria ao Plenário em regime de urgência.
Também procurado, o relator do projeto,
deputado Rodrigo Valadares (União-SE), afirma que a Câmara tem o dever de
corrigir esse erro histórico cometido por Lula e Celso Amorim (à época ministro
das Relações Exteriores).
“Lula mantém amizades com pessoas que
não respeitam a liberdade, a democracia e os direitos humanos, e Bashar
Al-Assad se enquadra neste quesito”, diz.