O primeiro filme brasileiro a
conquistar um Oscar aborda a violência do Estado contra o indivíduo - o caso
Rubens Paiva. O principal efeito da arte nesse tipo de abordagem histórica é
gerar no espectador o repúdio à situação retratada. E o aspecto educativo da
obra é fortalecer as condições, a partir desse repúdio, para que o absurdo não
se repita.
No caso de “Ainda estou aqui”, toda a
campanha do filme foi voltada para uma espécie de transposição da realidade da
época para hoje. O diretor do filme declarou à imprensa internacional que, só
com a eleição de Lula em 2022, o Brasil voltou a ter democracia. Como isso é
uma óbvia falsidade, Walter Salles Jr. desvalorizou seu próprio filme.
“Pra frente, Brasil”, de Roberto
Farias, “O que é isso, companheiro?”, de Bruno Barreto, e outras obras da
cinematografia brasileira retrataram os chamados “anos de chumbo” no país.
Depois disso, os que lutaram contra o autoritarismo chegaram ao poder. E
protagonizaram o maior escândalo de corrupção da história brasileira. Mais
tarde, nova reviravolta histórica levou a um processo de relativização desse
escândalo, inclusive com censura oficial.
Na nova eleição de Lula - essa que
Walter Salles disse ao mundo ter significado a volta do Brasil à democracia - o
debate eleitoral foi controlado, a título de proteção da verdade, com embargos,
por exemplo, às referências à amizade de Lula com ditadores.
Se tornou problemático mencionar a
condenação do candidato do PT por corrupção e lavagem de dinheiro sem dizer que
ele foi inocentado - o que nunca aconteceu. E o regime que se instalou passou a
tratar opositores de forma bruta, inclusive com interferências na liberdade
parlamentar.
Mas a mensagem de Waltinho na campanha
do seu filme sustentou que os principais adversários políticos de Lula hoje
representam o “fantasma da ditadura” - uma das expressões mais repetidas nas
notícias sobre “Ainda estou aqui”.
"Ele declarou que seu filme sequer
poderia ter sido lançado se Lula não tivesse sido eleito. Quantos filmes foram
censurados no governo anterior ao atual?"
Walter Salles Jr. e Fernanda Torres
fizeram questão de transformar o primeiro Oscar brasileiro numa propaganda de
Lula. Cada um age como acha que deve, mas uma coisa é certa: Rubens Paiva não
tem nada com isso.