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Anna, armada de palavras

Anna, armada de palavras

Durante muito tempo, acreditou-se que o jornalismo, principalmente o de caráter investigativo, representava a última trincheira avançada em defesa da liberdade de expressão, servindo como uma espécie de farol de resistência contra a tirania e a favor da verdade. Houve um tempo, inclusive, em que o jornalismo era tido, por sua capacidade de arregimentação das massas, como um quarto poder. Exemplos desse modelo de jornalismo combativo são abundantes por todo o mundo e dele emergem figuras que, por sua atuação corajosa, entraram para a história como verdadeiros combatentes, munidos apenas com as armas da palavra e da escrita.

O advento das mídias sociais, mesmo impulsionando as informações como nunca, ajudaram a retirar muito desse poder atribuído ao jornalismo tradicional fazendo com que, hoje, tanto a imprensa como a chamada busca pela verdade ficassem espalhadas e dissolvidas por todos os lugares, aumentando a impressão geral de que ninguém, em nossos dias, por mais poderoso que seja, pode ser considerado o dono da verdade.

Mas ainda assim e em meio as adversidades de um mundo em crise de identidade, é possível encontrar jornalistas com coragem suficiente para abalar as estruturas do status quo, sobretudo, quando um sistema político favorece as injustiças e privilegiam as camarilhas, os tiranos e a corrupção. É nesse sentido que o jornalismo favorece a sociedade, brindando-a com a verdade dos fatos. Por causa desse poder de transmitir a verdade, muitos profissionais do jornalismo pelo mundo, ontem e hoje, pagaram com vida por essa ousadia e coragem. A eles, muitas democracias pelo mundo são devedoras desse tipo de luta.

Nesse sentido, merece destaque aqui, neste espaço, a lembrança do nome da jornalista americana Anna Politikovskaya, nascida na América, mas criada na União Soviética. Profissional respeitada dentro e fora da Rússia, Anna era um modelo de repórter investigativa. Não precisa nem dizer que, tendo escolhido o lado investigativo da imprensa e, além disso, disposta a levar a verdade dos fatos aos leitores, Anna, desde sempre, correu sério risco de morrer, ainda mais dentro de uma Rússia, comandada, há mais de duas décadas, com mãos de ferros por Vladimir Putin. Putin é hoje conhecido em todo planeta pelas acusações de crimes de guerra, genocídios de civis e pela forma brutal como trata toda e qualquer dissidência ou oposição. A lista com os nomes daqueles que ousaram desafiá-lo é imensa, assim como sua sede de poder e seu sonho megalomaníaco de reconstituir a antiga União Soviética, com toda a sua glória passada.

Trabalhar numa situação de perpétuo confronto como essa, onde a morte espreita em cada canto, não é para qualquer um. Ainda mais sendo uma jornalista atuante, focada em direitos humanos e que via, na guerra da Chechênia, violações indescritíveis praticadas pelo exército de Putin. Por sua atuação incansável, ela acabaria se tornando uma figura emblemática dentro e fora das fronteiras da Rússia. Poucos profissionais da imprensa tiveram a coragem que Anna demonstrava ao cobrir uma série de conflitos e de guerras sangrentas comandadas por esse pequeno e ganancioso Napoleão de hospício sovietista.

Anna, em seu trabalho, sempre demonstrava a preocupação em se posicionar contrária a toda e qualquer neutralidade, sobretudo aquela que faz cara de paisagem diante das brutalidades e desrespeitos à vida. Durante o tempo em que atuou nos principais veículos de comunicação da Rússia, o medo e a repressão eram uma constante. Os assassinatos de opositores e críticos do regime russo eram comuns. Da noite para o dia, esses críticos e adversários do regime desapareciam ou eram simplesmente encontrados mortos. Putin mandava eliminar, como moscas, não só políticos ou empresários contrários ao sistema, como encomendava, também o silenciamento de jornalistas que mostravam uma ameaça aos seus desmandos.

A morte anunciada e dada como certa de Anna ocorreria em 7 de outubro de 2006, quando foi  assassinada a tiros no elevador do prédio onde morava, por um desses milhares de sicários que agem para apagar os rastros de crimes desse regime brutal, o mesmo que hoje ameaça a Europa e o mundo com armas de destruição em massa. De toda a forma, a sua morte não foi em vão, tendo servido de inspiração para outros profissionais que ainda lutam dentro daquele país contra a centralização do poder e a falta de liberdade de expressão.

A frase que foi pronunciada: “Esta linha política é totalmente neo-soviética: os seres humanos não têm existências independentes, são engrenagens na máquina cuja função é implementar sem questionamentos quaisquer escapadas políticas que aqueles no poder inventam. As engrenagens não têm direitos. Nem mesmo à dignidade na morte.” (Anna Politkovskaya)

Circe Cunha e Mamfil – Coluna “Visto, lido e ouvido” – Ari Cunha – Fotos: bbc.com (Getty) - gettyimages.com – Correio Braziliense




1 Comentários

  1. Parabéns à esta dupla de jornalistas que sempre leio e amo muito!

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