Estava num shopping na semana passada,
procurando um presente de Dia das Mães, quando me chamou a atenção uma mulher
que vinha em minha direção empurrando um carrinho de bebê. A perninha do bebê
aparecia, mas não mudava de posição, não se mexia, ficava imóvel, quase
paralisada. Aproximei-me, entre curioso e preocupado, e descobri que era um
boneco. Um bebê reborn, como chamam.
Cheguei a uma conclusão: ainda bem que
não sou jovem neste tempo estupidificado em que vivemos. Fui muito mais
ranzinzo na juventude do que sou hoje, na antessala da velhice. Não teria a
menor paciência com 90% do que dão atenção por aí atualmente, como essa modinha
de supostos adultos levando a sério cuidar de boneco como se filho fosse.
Essa febre dos bebês reborn… É febre
mesmo? Não sei o quanto essas viralizações não são como as chuvas de verão na
época das férias de antigamente, quando todos paravam de jogar baralho no fim
da tarde e saíam à varanda da casa de praia, atraídos pela força do vento e da
água, pensando: “Será que amanhã dá praia?”
Entendo crianças brincando com bonecos,
aceito adultos colecionadores de bonecos, mas essas gentes supostamente adultas
se apegando a esses trecos meticulosamente confeccionados com olhos de vidro,
cabelo real e pele artificiosa, vivendo um simulacro de amor de família, aí não
dá.
Nesses casos, é difícil não enxergar
como um problema de ordem mental. No mínimo, há uma recusa em encarar os
desafios da maturidade e a complexidade das relações humanas adultas. Tentando
não padecer ou compensar o sofrimento inevitável da angústia e da insegurança
que toda vida adulta traz consigo, buscam uma versão muda e imutável do que
seria uma conquista real, um afeto genuíno.
Pela quantidade de pessoas achando isso
razoável, o fenômeno é sintomático de uma epidemia de crise existencial:
adultos que, em vez de buscar a resolução dos conflitos internos e externos,
fogem para encarar o reflexo de uma inocência e paz artificiais. Os bonecos se
tornam, na verdade, objetos terapêuticos involuntários, uma válvula de escape
onde a dor é suavizada pelo silêncio da perfeição congelada.
Enfim, essa moda nos oferece um
espetáculo deprimente de imaturidade, que vai piorando à medida que surgem
“escolas para bebês reborn”, “médicos para bebê reborn”; até disputa por bebê
reborn em divórcio, parece que já tem. Nessa toada, tem potencial para se
tornar o símbolo mais eloquente de uma sociedade doente, que prefere moldar e
substituir o real pelo seu ideal fabricado e higienizado daquilo que nos torna
humanos de verdade.
Fiquei pensativo. Quantos de nós também
não abraçamos nossas próprias versões de realidade fabricada? Veja a nossa
primeira-dama. Essa senhora não está sabendo lidar com a rejeição de sua figura
demasiadamente pública. Estava lá na China, participando de uma reunião ou
jantar oficial, e, como uma criança impaciente na fila de supermercado,
intrometeu-se no meio de uma conversa entre os presidentes, pedindo ajuda para
censurar as redes sociais, em particular o TikTok.
Esse pedido vazou para a imprensa, e
essa senhora, que definitivamente não sabe lidar com a frustração e o ego
ferido, transformou o marido em um “presidente reborn” para tentar se defender.
O mandatário da nação deu um piti em coletiva de imprensa, com um pito em quem
teria vazado a conversa, soando mais como o pai de família de antigamente que,
ao chegar em casa, tem de colocar ordem porque a mãe não conseguiu e só soube
dizer: “Vocês vão ver quando seu pai chegar!”
E a forma como muitos católicos estão
recepcionando o Papa novo não é também sintoma da mesma doença? Quantos não
estão aí pescando os primeiros sinais para saber se Leão XIV combina tim-tim
por tim-tim com a sua visão de mundo, sem nem perceber que tratam o Papa como
se ele viesse para lhes agradar e validar? Ou seja, o que tem de conservador e
progressista ansiosíssimo esperando que tenha chegado seu Papa Reborn, não está
escrito…
Pensando bem, a moda dos bebês reborn
pode ser mais ridícula, mas talvez não seja o mais perturbador. Seja nos
relacionamentos filtrados pelas redes sociais, nas democracias de fachada ou
nas espiritualidades à la carte, todos temos ou criamos nossos pequenos
“reborns”, confortavelmente silenciosos, perfeitamente controláveis,
convenientemente incapazes de nos confrontar com nossas próprias fragilidades,
defeitos e contradições.