A minha instrutora de Pilates aqui em
Lisboa me disse, horrorizada, perguntando o que acontece no Senado do Brasil. A
mãe dela veio lhe chamar a atenção, pois viu, por acaso, essa comissão que
investiga as apostas. Eu não sei por que usam a palavra em inglês, “bet”.
Apostar é “to bet”. “Bet” é apostar. Não sei por quê, mas enfim... talvez seja
para identificar que se trata de apostas eletrônicas.
Estão discutindo isso com a maior
normalidade, como se não existisse a Lei das Contravenções Penais. O artigo 50
proíbe o jogo de azar. E mais: explica, no parágrafo terceiro, o que é um jogo
de azar — aquele cujo resultado depende da sorte. E, como vocês sabem, sorte é
sinônimo de acaso. Sorte é sinônimo de azar. Azar é sinônimo de acaso. Um jogo
de futebol, um jogo de vôlei, depende da atuação dos atletas. Já o jogo de azar
depende do acaso.
Isso é proibido. A pena chega a 14
meses de cadeia — ou de condenação, digamos, para ficar melhor — porque a
pessoa pode acabar pagando de outras formas. Mas está proibido por lei. Ah,
claro, o Estado brasileiro pratica e banca, por meio da Caixa Econômica
Federal. “Ah, é para benefício.” Sim, mas é jogo. E jogo vicia.
Eu nunca joguei na minha vida. Aliás,
sempre apostei em mim. E aí ganhei sempre — além de economizar o valor da
aposta. Em geral, é o mais pobre quem aposta. Porque aposta é a oferta de um
prêmio que aparece de repente, sem esforço, sem preparo, sem nada. Cai do céu,
ao acaso. Então o pobre aposta.
E foi apurado que milhões de pessoas
que recebem o Bolsa Família — que vem dos impostos de quem trabalha — gastam
nessas apostas. Por isso, os políticos estão preocupados com as apostas
eletrônicas, enquanto outros fazem lobby para liberar cassinos no Brasil.
Até ouvi o argumento de que quem entra
num cassino, por ser algo mais sofisticado, é gente que tem dinheiro. E gente
que tem dinheiro certamente não apostou: apostou em si próprio, no seu negócio.
É uma roda.
Mas, enfim, o que eu queria falar mesmo
é do show que acontece lá. É um circo. Até lembra um pouco, mas não chega a
esse ponto, aquela CPI da Covid. Essa sim foi um legítimo circo. Circo de
horrores, de enganações, de mentiras — que hoje todas foram derrubadas. Todas.
E o povo inteiro, milhões de pessoas, enganadas. Inclusive gente que morreu por
causa da mentira. Porque não se tratou como poderia ter sido tratado.
E assim está. Deviam fazer uma CPI para
investigar quem colaborou, quem espalhou a mentira, quem impediu o tratamento,
quem fez propaganda de uma injeção aí que hoje assusta as pessoas.
Esse é o Brasil.
Anistia no radar: Bom, e tem outra
questão. O governador de Goiás, Ronaldo Caiado, foi muito inteligente ao
declarar, em entrevista, que, se for eleito presidente, vai conceder anistia e
resolver “esse negócio” do 8 de janeiro. Ou seja, anistia para Bolsonaro e para
todos. É um apelo forte. E certamente, se ele está disposto, conhece os meios
para evitar que o Supremo bloqueie essa anistia — como bloqueou o perdão
constitucionalmente concedido.
A Constituição diz que o presidente
pode fazer isso, e fez, no caso de Daniel Silveira. E foi anulado pelo Supremo.
Um poder do presidente da República, sem nenhuma justificativa que caiba numa
mente com lógica e razão.
STF contra STF: Por falar nisso, o
presidente da Câmara está recorrendo ao próprio Supremo contra o Supremo
Tribunal Federal. STF versus STF. Incrível. Não tem como. Não há recurso contra
o último recurso. Atribuem a Rui Barbosa a frase: “Uma ditadura maior que a do
Supremo”. Até hoje estou por encontrar onde ele disse ou escreveu isso. Mas,
enfim, recurso do Supremo contra o Supremo... não vai dar em nada.
Ele (o presidente da Câmara) deve estar
alegando o artigo 97 da Constituição, que diz que nenhuma lei pode ser
considerada inconstitucional se não for pela maioria absoluta do Supremo. O ato
de resolução da Câmara, com 315 votos sobre o caso Alexandre Ramagem, virou
lei, já foi publicada no Diário Oficial, está vigente. E a decisão do Supremo
veio só por cinco votos. A maioria absoluta no Supremo são seis.
Maioria absoluta significa mais da
metade do total do colegiado — não apenas dos presentes ao julgamento. É um
assunto para os juristas, mas deveria ser um assunto para os detentores do
poder numa democracia — que somos nós, o povo.