O Brasil do governo Lula vive, positivamente, um dos momentos mais excitados da sua atual fase de unanimidades rápidas, definitivas e cretinas. Uma briga sem esperança de ganho com a potência número 1 do planeta, em quaisquer circunstâncias, é uma coisa ruim. Nem a China, que é a China, acha que é um bom negócio bater de frente com os Estados Unidos, sobretudo em disputas que não procurou. Justamente por isso trabalha a sério para não se meter no tipo de confusão em que o Brasil está metido neste momento; acharia uma péssima notícia, por exemplo, uma tarifa de 50% sobre suas exportações para os Estados Unidos.
Mas quem é a China perto do Brasil? Aqui nós estamos sob a proteção do governo Lula, temos soberania com teores máximos de pureza e não baixamos a cabeça para ninguém. Somos recíprocos. Bateu, levou. Aqui não se aceita tutela de ninguém – e por aí se vai, na mesma ladainha de país vira-lata subdesenvolvido que late e não morde – ou, pior, tenta morder, mas ninguém liga.
“A vida do cidadão só deve ficar mais difícil daqui até as próximas eleições – se há alguma certeza no momento, é que o Brasil não vai ganhar um tostão furado com as sanções americanas, nem resolver qualquer de seus problemas”
Por conta dessa má compreensão de suas próprias realidades e do curto-circuito mental permanente que assola o país, a briga com os americanos não é problema nenhum. Ao contrário, está sendo vista como um momento de triunfo para o governo Lula, o PT e a extrema esquerda. É praticamente unânime, na mídia, nos intelectuais e nos catedráticos de ciência política, que o brasileiro está profundamente indignado com o presidente Donald Trump e as sanções que ele aplicou às exportações do Brasil.
Todos identificaram um súbito acesso de patriotismo ferido de norte a sul do país; por esta visão das coisas, o brasileiro que está às 4 horas da manhã na fila do ônibus, e feliz da vida com os altos padrões de conforto que lhe são oferecidos pelo governo Lula, está se sentindo ferido pelas decisões de Trump. Como ele tem coragem de ofender nosso presidente? Conclusão: o desastre com perda total do governo desaparece num passe de mágica e as pessoas, para defender a pátria, passam a achar que Lula é um sucesso.
Por sua vez, o “bolsonarismo”, a direita e qualquer possibilidade de alternativa a Lula estão derrotados; Trump defende Bolsonaro, o povo está contra Trump e, por conta do conflito com a “potência estrangeira”, o sujeito que ia votar na oposição agora vai votar em Lula em sinal de defesa da soberania do Brasil.
A vida do cidadão só deve ficar mais difícil daqui até as próximas eleições – se há alguma certeza no momento, é que o Brasil não vai ganhar um tostão furado com as sanções americanas, nem resolver qualquer de seus problemas. Mas as classes culturais estão dizendo que o governo Lula teve uma grande vitória e “calou a boca desse Trump”. Vamos ver. A realidade dirá.