Durante o Programa 4por4 deste domingo, estávamos eu, Lacombe, Ana Paula Henkel e Flavio Gordon elogiando o heroísmo de Filipe Martins, quando me dei conta de que somos todos católicos. Seria coincidência? Por que tantos mártires de regimes totalitários materialistas, como o comunismo, eram seguidores de Cristo, do cristianismo? Não acho que seja puro acaso.
Em Walking with God through Pain and Suffering, Timothy Keller dedica a primeira parte do livro a uma reflexão filosófica sobre a morte e o sofrimento, mostrando como o cristianismo foi uma ideia revolucionária. Em relação às demais visões de mundo, em especial aquela dos gregos, o cristianismo sacudiu com toda a essência até então existente.
Diz Keller: Para os estoicos, a boa vida é uma vida despojada de esperanças e medos. Em outras palavras, uma vida reconciliada com o que é, uma vida que aceita o mundo como ele é. A segunda maneira era dar primazia à razão sobre a emoção e aprender a evitar apego excessivo por qualquer coisa na vida, pois é daí que vem a dor avassaladora do sofrimento.
“Parece coincidência que tantos mártires que enfrentam a um custo pessoal enorme regimes totalitários sejam cristãos?”
Ou seja, para não sofrer muito, o segrego era se desapegar. Mas o cristianismo trouxe uma mensagem bem diferente, e bem mais pessoal. Cícero e Sêneca foram os mais influentes pensadores da antiguidade clássica para os romanos, ambos muito influenciados pelos estoicos gregos. Mas Jesus Cristo traria uma visão um tanto diferente e redentora, inclusive em relação a outras culturas, como o budismo:
De acordo com a tradição, o príncipe Siddhartha Gautama vivia uma vida segura e isolada, repleta de riqueza e luxo, mas, ao sair de seu palácio, ele se deparou com os "Quatro Suspiros Angustiantes" – um homem doente, um homem velho, um homem morto e um homem pobre. Em resposta, ele decidiu dedicar sua vida a descobrir como viver uma vida de serenidade diante do sofrimento humano. Após vários anos, ele alcançou a iluminação sob uma árvore. Em seu primeiro sermão, ele apresentou aos seus seguidores as Quatro Nobres Verdades, a saber: (1) toda a vida é sofrimento, (2) a causa do sofrimento é o desejo ou apego, (3) o sofrimento termina apenas quando o desejo é extinto, e (4) isso pode ser alcançado seguindo o Nobre Caminho Óctuplo rumo à iluminação. O Caminho Óctuplo é uma abordagem abrangente para todas as áreas da vida – visões corretas, intenções corretas, fala correta, conduta correta, meios de subsistência corretos, esforço correto, atenção plena correta e meditação correta. É uma vida extremamente equilibrada, que não exige ascetismo ou privação, mas demanda uma vida de simplicidade, serviço aos outros e muitas disciplinas de autocontrole.
O problema é que tanto o estoicismo como o budismo não ofereciam qualquer conforto ao indivíduo de carne e osso, ao pregarem que no final nada se perdia pois tudo era parte de um Absoluto, de um Todo a que retornávamos eventualmente. Os cristãos dos primeiros tempos respondiam aos gregos com exemplos práticos. Se os filósofos ensinavam que o propósito da filosofia era nos ajudar a enfrentar a morte e a dor, escritores como Ambrose, Cipriano e depois Agostinho mostraram que os cristãos efetivamente sofriam e morriam de maneira melhor, uma evidência da superioridade filosófica cristã. Keller explica:
Os filósofos gregos, e especialmente os estoicos, tentaram "valentemente nos livrar dos medos ligados à morte, mas ao custo de obliterar nossa identidade individual". Mas o cristianismo ofereceu algo radicalmente mais satisfatório. Luc Ferry diz que o que os seres humanos desejam "acima de tudo é se reunir com seus entes queridos, e, se possível, com suas vozes, seus rostos - não na forma de fragmentos indiferenciados, como pedras ou vegetais".
A vitória de Cristo sobre a morte deu aos cristãos a convicção de que a dor e a morte não eram o fim, e tinham um sentido mais elevado. "Somente quando nosso maior amor é Deus, um amor que não podemos perder nem mesmo na morte, podemos enfrentar todas as coisas com paz. A dor não deve ser eliminada, mas temperada e sustentada pelo amor e pela esperança", escreve o autor.
Essa visão cristão foi lentamente suplantando a velha ordem pagã e se tornou a cultura dominante no Ocidente. A ressurreição implicava que esta vida material é boa e merece ser aproveitada, mas que ela não termina com a morte do corpo. O cristianismo ofereceu a restauração da vida, em vez de um simples consolo para a morte. Luc Ferry conclui:
Explorando o que via como uma fraqueza na sabedoria grega, o cristianismo criou uma nova doutrina de salvação tão eficaz que abriu um abismo nas filosofias da Antiguidade e dominou o mundo ocidental por quase mil e quinhentos anos. O cristianismo parece ser a única versão de salvação que nos permite não apenas transcender o medo da morte, mas também vencer a própria morte.
Diante disso, pergunto: parece coincidência que tantos mártires que enfrentam a um custo pessoal enorme regimes totalitários sejam cristãos?