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Entrevista: Ludmila Lins Grilo: “A magistratura se calou por medo”

Entrevista: Ludmila Lins Grilo: “A magistratura se calou por medo” 

Ex-juíza do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, Ludmila Lins Grilo vive fora do Brasil desde 2022, após sofrer processos disciplinares e campanhas de difamação por críticas públicas ao Supremo Tribunal Federal e à condução dos inquéritos de censura e perseguição política. Ela foi aposentada compulsoriamente e, desde então, tornou-se uma das vozes do exílio brasileiro nos Estados Unidos, denunciando violações de direitos humanos e o avanço autoritário do Judiciário. Em entrevista à Gazeta do Povo, ela comenta a destituição de advogados determinada por Alexandre de Moraes, o silêncio da comunidade jurídica, a reação internacional, além de analisar o debate sobre anistia. 


Entrelinhas: Na semana passada, o ministro Alexandre de Moraes destituiu advogados de réus da suposta tentativa de golpe, depois voltou atrás. O que houve de irregular nessa decisão? Ludmila Lins Grilo: O que aconteceu foi absolutamente fora da lei. O juiz só pode destituir um advogado em situações muito excepcionais, previstas no Código de Processo Penal. Por exemplo, quando o réu fica sem defesa — porque o advogado abandonou o processo, não comparece ou sequer comunica sua ausência. Nesse caso, o juiz precisa nomear outro defensor, para que o réu não fique indefeso.

 

Mas não foi nada disso que aconteceu. Tanto Filipe Martins quanto Marcelo Câmara tinham advogados atuando, inclusive peticionando normalmente, haviam apresentado manifestação dizendo que o processo não estava maduro para alegações finais. Não havia abandono, nem ausência. A destituição feita por Moraes é totalmente deslocada — mais uma arbitrariedade entre tantas.

 

Entrelinhas: Essa série de decisões arbitrárias tem causado apreensão. A senhora sente que o medo hoje domina o meio jurídico? Ludmila: Com certeza. O medo é a principal explicação para o silêncio da magistratura e do Ministério Público. O juiz não pode se manifestar sobre processos em andamento, mas pode fazê-lo em contexto acadêmico — escrevendo livros, artigos, palestras. Eu mesma fazia isso. Mas quase ninguém tem coragem, porque meu caso virou exemplo: fui difamada, perseguida e aposentada compulsoriamente. 


Os colegas olham e pensam: “Não quero ser o próximo”. São pessoas muito apegadas ao cargo, ao status, ao poder. Preferem se calar, mesmo vendo abusos gritantes. Isso vale também para advogados e professores, que em tese teriam mais liberdade. A OAB, por exemplo, às vezes se manifesta sobre novela, mas não sobre destituição ilegal de advogados. É lamentável. 


Entrelinhas: A senhora mencionou os professores. Esse silêncio também está presente nas universidades? Ludmila: Sim. E me lembra como os professores universitários na Alemanha nazista se calaram diante do regime. Depois da guerra, quase nada havia sido escrito por eles. É exatamente o que acontece hoje no Brasil. Omissão total. Entendo que muitos tenham medo, mas alguém precisa registrar historicamente o que está acontecendo. 


Entrelinhas: A senhora vive no exterior. Como o mundo vê hoje a situação da Justiça brasileira? Ludmila: Infelizmente, a imagem do Judiciário brasileiro lá fora é a pior possível. Mas, de certo modo, isso é bom, porque todo ditador odeia que joguem luz sobre seus atos. E Moraes está se expondo tanto que ele mesmo cava a própria cova.

 

Graças a denúncias consistentes, ele foi reconhecido como violador internacional de direitos humanos e incluído em sanções da Lei Magnitsky. Isso não é trivial — são pouquíssimas pessoas no mundo com essa marca. E nós sabemos que essas sanções os atingem. Muitos emissários tentaram reverter a situação em Washington e não foram sequer recebidos. 


O caso do ministro Barroso, que se aposentou precocemente, pode ter relação com isso. Ele perdeu visto para os Estados Unidos e teve a vida acadêmica comprometida. Essas restrições são devastadoras para quem valoriza imagem e prestígio. Então, sim: o fator externo tem peso político, ainda que o Senado brasileiro, infelizmente, tenha falhado no seu papel de frear esses abusos.

 

Entrelinhas: A propósito, com a saída de Barroso, discute-se quem o substituirá no Supremo. Que nomes a senhora considera prováveis — e o que esperar dessa indicação? Ludmila: Os nomes mais falados são Rodrigo Pacheco e Jorge Messias, o “Bessias” da Dilma. Nenhum dos dois tem o currículo acadêmico do Barroso. O Messias me parece mais ideológico, alinhado à esquerda; o Pacheco, mais movido por conveniência política. 


Mas, sinceramente, acho que o Senado aprova qualquer um. Se foi capaz de sabatinar e aprovar Flávio Dino, que se declara comunista, pode aprovar qualquer outro. As sanções externas não devem interferir nisso, porque o voto é pulverizado entre 81 senadores. Por isso, a eleição de 2026 é tão importante — especialmente para o Senado. Se for limpa, pode mudar o futuro institucional do país. 


Entrelinhas: E quanto à discussão sobre anistia aos presos de 8 de janeiro? É o caminho para pacificar o país? Ludmila: Sim, seria um caminho. Mas o governo tenta confundir a população com essa história de “dosimetria”, que é só o cálculo da pena — algo que cabe ao juiz, não ao Legislativo. O Congresso pode mudar a lei em abstrato, aumentando ou reduzindo penas previstas, mas não pode calcular a pena concreta de um réu. 


Então essa tentativa é inconstitucional e confusa. E, além disso, injusta, porque muitas daquelas pessoas são inocentes. Quem causou dano material deve responder por isso, claro, mas quem apenas se manifestou pacificamente precisa ser absolvido, não “ter pena reduzida”. Esse teatro jurídico é só uma encenação para legitimar condenações que, na cabeça deles, já estão prontas. 


Entrelinhas: Diante desse cenário, o que ainda dá esperança? Ludmila: O fato de a verdade sempre aparecer. O autoritarismo não resiste à luz. E hoje há muita gente — no Brasil e fora dele — disposta a expor o que está acontecendo. Isso já é um começo. 



Mariana Braga - (Foto: Reprodução/Twitter) - Gazeta do Povo 


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