Decisão tomada pela Colômbia de declarar-se, em meio à turbulência política que envolve as relações diplomáticas com os Estados Unidos e ao escrutínio internacional provocado pelos desdobramentos da COP30, como o primeiro país da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica a renunciar integralmente à prospecção de petróleo e à exploração mineral em seu território amazônico, constitui uma ruptura profunda com o padrão histórico que moldou a ocupação da região e, ao mesmo tempo, lança um desafio silencioso e incômodo aos demais signatários desse pacto multilateral, sobretudo aos governos que insistem em justificar a manutenção de seus modelos extrativistas sob o argumento de que a vulnerabilidade econômica impede qualquer alternativa estruturante capaz de conciliar desenvolvimento e preservação.
A medida anunciada pelo Ministério do Meio Ambiente colombiano traz a totalidade do bioma amazônico nacional como Reserva de Recursos Naturais Renováveis e proibiu a aprovação de novos projetos de petróleo e de mineração em grande escala sobre uma área que ultrapassa os 48 milhões de hectares (cerca de 483.000 km²), bloqueando dezenas de pedidos pendentes de concessões, segundo o governo, dezenas de blocos petrolíferos e centenas de requisições minerais ficam, pelo menos em princípio, impedidos de avançar enquanto vigora o novo regime.
Irene Vélez Torres, ministra interina do Meio Ambiente, justificou o ato ao afirmar que “essa declaratória busca prevenir a perda e degradação de florestas, a captura de água e a contaminação de nossos rios, evitando a acumulação de impactos ambientais que décadas de exploração industrial causaram”, acrescentando um chamado explícito à cooperação regional: “convidamos os países amazônicos a se unirem numa Aliança Amazônica pela Vida”.
Documento governamental que formaliza a reserva, conforme divulgado pelo ministério, prevê um regime transicional que respeita “situações consolidadas” ou seja, não implica despejos imediatos de atividades já em operação, mas estabelece um impedimento claro a novas licenças e uma moratória para a abertura de novas frentes exploratórias, medida que especialistas descrevem como simbólica, porém com potencial prático para deter a expansão de novos blocos e concessões.
Ao assumir a dianteira, a Colômbia demonstra que a preservação pode ser também uma estratégia diplomática sofisticada, apta a reposicionar o país no cenário internacional e a elevar seu poder de barganha em negociações que, historicamente, foram dominadas por nações industrializadas que exploraram seus próprios biomas até a exaustão e agora tentam impor parâmetros ambientais sem reconhecer plenamente suas responsabilidades passadas.
O presidente Gustavo Petro, em diferentes intervenções públicas durante a cúpula e nos dias que antecederam a COP30, reiterou essa linha ao pedir maior ambição global na saída dos combustíveis fósseis e ao afirmar que “não cabe a países que devastaram seus próprios territórios dar lições sem assumir responsabilidades”; sua retórica funcionou como complemento político à medida técnica do ministério, ainda que críticos apontem que a tradução dessa postura em políticas internas e em garantias de financiamento para alternativas sustentáveis exigirá passos subsequentes e concretos.
Enquanto países vizinhos começam a reconhecer que a preservação ambiental pode funcionar como elemento estratégico para fortalecer a democracia, aumentar a credibilidade internacional e atrair investimentos baseados em inovação científica e cadeias produtivas limpas, nosso país permanece preso à velha lógica de que a exploração intensiva dos recursos naturais seria o único caminho possível para evitar estagnação econômica e tensões sociais, ignorando que a insistência nesse modelo não apenas compromete a integridade da Amazônia, mas também aprofunda desigualdades internas, marginaliza populações tradicionais e reforça a dependência de mercados voláteis cujos ciclos de alta e baixa submetem o país a um permanente estado de vulnerabilidade.
A projeção de uma área gigantesca como zona livre de exploração petrolífera e mineral permite à Colômbia não apenas estabelecer um novo patamar de compromisso ecológico, mas também demonstrar que é possível pensar políticas de proteção que articulem conservação e soberania sem recorrer à narrativa simplista de que a sustentabilidade seria uma imposição externa ou uma ameaça ao desenvolvimento.
Em discurso em fórum ministerial da OTCA durante a COP30, a ministra Vélez também afirmou que a medida “é um primeiro passo, mas exige financiamento internacional e políticas de substituição econômica para comunidades locais”, reconhecimento explícito da necessidade de combinar proteção legal com instrumentos de justiça social e desenvolvimento alternativo.
Esse espelho incômodo criado pela atitude colombiana reflete as limitações de um modelo nacional incapaz de articular políticas ambientais coerentes e de longo prazo e evidencia que o futuro da Amazônia dependerá cada vez mais da coragem política dos países que compõem a OTCA e da capacidade que cada um terá de transformar compromissos formais em ações concretas, compreendendo que a preservação não é uma concessão ao ambientalismo global, mas um imperativo civilizatório sem o qual não haverá estabilidade climática, segurança hídrica nem condições sociais mínimas para sustentar projetos de nação no século XXI.
Enquanto a Colômbia avança, nosso país permanece enredado em contradições que se agravam sob o peso de um regime que ignora qualquer crítica e prefere exibir força em vez de reconhecer suas próprias falhas.




