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Entrevista; “Pais estão comprando gato por lebre”: escritora analisa a “escola woke” no Brasil

“Pais estão comprando gato por lebre”: escritora analisa a “escola woke” no Brasil 

Em um momento em que debates sobre educação, currículo escolar e formação moral ganham centralidade no Brasil, a autora Anamaria Camargo lança um livro que questiona os rumos das políticas educacionais adotadas no país. Escola Woke: Como o Método Paulo Freire foi retrofitado para os dias de hoje parte da premissa de que pais e mães brasileiros têm hoje pouca margem para fazer escolhas reais sobre a educação de seus filhos, tanto na rede pública quanto na privada, em razão da padronização curricular imposta por diretrizes nacionais como a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e pelas exigências do Ministério da Educação (MEC). 


Segundo a autora, que é mestre em Educação, o problema não se limita a conteúdos ideologicamente explícitos, mas estaria sobretudo na incorporação de uma linguagem e de conceitos associados ao que ela chama de wokismo — uma abordagem que, em sua visão, tem redefinido termos como diversidade, inclusão, equidade, direitos humanos e sustentabilidade. Para Camargo, essas mudanças semânticas influenciam políticas públicas, materiais didáticos e a formação de professores, afetando o ambiente escolar desde a educação infantil até o ensino médio. Confira a entrevista exclusiva: 


Entrelinhas: O que a levou a concluir que pais e mães brasileiros perderam a liberdade de fazer escolhas reais sobre a educação de seus filhos, inclusive na rede privada? Anamaria: A minha conclusão vem da análise das políticas públicas para a educação que impactam todos os alunos. Exemplos disso são a BNCC, o PNE, o SNE e diversas resoluções do CNE. Se os currículos de todas as escolas, públicas e privadas, precisam se basear na BNCC; se a formação de todos os professores, que atuarão em escolas públicas ou privadas, precisa seguir as resoluções do CNE; se todos os estudantes, de escolas públicas e privadas, que quiserem acessar uma universidade têm de se submeter ao mesmo exame, o Enem, então não há escolha real. 


Entrelinhas: De que maneira a Base Nacional Comum Curricular e as diretrizes do MEC contribuem, na sua avaliação, para a padronização ideológica do ensino no Brasil? Anamaria: Ao orientar os currículos a partir de uma mesma base ideológica, sem qualquer preocupação com evidências científicas; ao direcionar a formação docente para que professores atuem como agentes de transformação ideológica; e ao confiar cada vez mais aos especialistas de coletivos identitários e às ONGs woke o direcionamento das políticas públicas educacionais. 


Entrelinhas: A senhora afirma que a linguagem “woke” representa um risco maior do que conteúdos ideológicos explícitos. Por que essa forma de atuação seria mais difícil de identificar e contestar? AnamariaPorque os termos usados têm seus significados corrompidos pelo wokismo. Pais e mães não sabem disso e são levados a acreditar, por exemplo, que educação com equidade significa dar oportunidades a todos para aprender. Nada mais longe da realidade. Equidade é a redistribuição compulsória de recursos financeiros, sociais e culturais com o objetivo de igualar resultados. 


No contexto da Escola Woke, isso significa a implementação de práticas que nivelam expectativas por baixo, limitando o currículo, facilitando a promoção dos menos preparados, reduzindo drasticamente o nível de dificuldade das provas ou eliminando-as por completo, atuando proativamente para evitar que os melhores alunos tenham acesso a oportunidades acadêmicas mais seletivas e coibindo qualquer incentivo para que estudantes superem seus limites e busquem a excelência.

 
O risco é maior porque pais e mães não percebem que estão comprando gato por lebre. Enquanto forem enganados, não vão reagir como reagiriam, por exemplo, ao uso de termos de baixo calão. 


Entrelinhas: Conceitos como diversidade, inclusão e direitos humanos costumam ser associados a avanços sociais. Em que momento, segundo a senhora, eles passam a se tornar instrumentos de distorção educacional? Anamaria: Não é que diversidade, inclusão e direitos humanos tenham se tornado instrumentos de distorção educacional. O que se tornou instrumento de distorção educacional foi o uso desses e de outros conceitos com significados corrompidos. Que pai ou mãe não deseja que seus filhos aprendam a respeitar os direitos humanos? 


O problema é que eles não sabem que, no âmbito da Escola Woke, respeitar os direitos humanos significa se submeter à imposição de pseudociência nos currículos para valorizar povos historicamente silenciados, aceitar a presença de mulheres trans em espaços privados femininos, apoiar todo tipo de cotas e bolsas permanência de militantes nas universidades e, certamente, defender o aborto como direito humano das mulheres. 


É a partir da inclusão, nas políticas públicas educacionais, de termos cujos significados foram corrompidos, como educação para os direitos humanos, por exemplo, que eles se tornam instrumentos de distorção educacional. 


Entrelinhas: Quais são os impactos concretos dessas abordagens na formação moral, intelectual e cívica de crianças e adolescentes? Anamaria: A função da educação básica é garantir que crianças e adolescentes tenham a base acadêmica e moral para se desenvolverem como adultos éticos, capazes e independentes. No entanto, no Brasil, menos de 5% dos alunos da 3ª série do Ensino Médio de escolas públicas, 4,5% para ser exata, têm aprendizagem adequada em Português e Matemática. Ou seja, a formação intelectual e cívica praticamente não existe. 


Para piorar, apesar do baixíssimo nível de aprendizagem, a taxa de aprovação é superior a 90%. A mensagem que os estudantes recebem é a de que estudar é desnecessário e que, se forem pobres, receberão uma ajudinha, seja uma mesada, como o Pé-de-Meia, seja por meio de cotas nas universidades. Lá se vai a formação moral

. 
Em vez de adultos éticos, capazes e independentes, o que as escolas estão formando é um exército de analfabetos funcionais, narcisistas, desrespeitosos, intolerantes, irresponsáveis e completamente dependentes de esmola estatal. 


Entrelinhas: Como pais e responsáveis podem identificar a presença desse viés no cotidiano escolar e quais formas legítimas de reação o livro propõe? Anamaria: Conhecer os reais significados woke dos termos usados nas políticas públicas é essencial. A partir daí, é preciso questionar gestores e coordenadores pedagógicos da escola e pressionar candidatos a cargos eletivos e políticos eleitos por meio de suas redes sociais. 


No livro, trago uma série de perguntas simples, diretas e contextualizadas que qualquer pai, mãe ou cidadão pode e deve fazer, e sobre as quais parlamentares e candidatos a cargos eletivos devem se posicionar. É quase um roteiro para reuniões de pais e mestres, conversas com diretores e coordenadores pedagógicos, audiências públicas com secretários de educação e especialistas, além do uso das redes sociais de candidatos e políticos eleitos. 


Nós financiamos a Escola Woke com nossos impostos e entregamos nossos filhos a escolas submetidas a políticas woke; logo, temos o direito e o dever de perguntar o que está sendo feito. Exemplos de perguntas são: o que você quer dizer com equidade na educação? Como é possível ter equidade e excelência? Dê um exemplo de uma atividade que promova a diversidade na sala de aula. 


Em seguida, é preciso compartilhar as respostas obtidas com outros pais e mães e pressionar. A escola não tem o direito de impor crenças woke na sala de aula. Também é importante pressionar candidatos a cargos eletivos e políticos eleitos em suas redes sociais a se posicionarem sobre as respostas que você obtiver. 


Entrelinhas: Que mudanças estruturais seriam necessárias para garantir, no Brasil, um sistema educacional que permita escolhas realmente livres e pluralidade de visões? Anamaria: Primeiramente, seria preciso garantir a federalização, ou seja, que estados tenham autonomia sobre as políticas educacionais. No projeto do Sistema Nacional de Educação, estava prevista uma comissão tripartite composta por 18 membros, como o ministro da Educação, o presidente do Consed, o presidente da Undime e outros membros nos quais nenhum de nós, brasileiros, votou e que certamente são ligados a sindicatos ou coletivos identitários. Essa comissão seria responsável por decidir e impor praticamente todas as políticas de educação a serem adotadas de forma igual em todo o país. Felizmente, ela acabou sendo desidratada na versão sancionada pelo presidente. No entanto, ainda aparece, embora sem especificação de seus atributos, no Plano Nacional de Educação aprovado no Congresso. É preciso estarmos atentos para que a autonomia de estados e municípios seja garantida. 


Mais importante ainda é regulamentar o homeschooling. Não apenas para garantir segurança jurídica a seus praticantes, mas também para que haja opções diversas de educação. Quando os estudantes puderem ser registrados como praticantes de homeschooling junto às secretarias de educação, provedores educacionais dos mais diversos tipos poderão atendê-los. Essas instituições educadoras serão classificadas como cursos livres e, portanto, não precisarão seguir as diversas regulamentações às quais as escolas certificadas pelo MEC são submetidas. 


Isso significará liberdade na escolha das disciplinas oferecidas, além de um núcleo comum de disciplinas básicas, na organização do calendário escolar e na seleção e contratação de profissionais, inclusive professores sem formação docente chancelada pelo MEC. Alternativas diversas de cursos de formação docente surgirão, o que talvez acabe, inclusive, trazendo melhorias aos próprios cursos do MEC. 



Mariana Braga – Gazeta do Povo 


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