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15ª Conferência Nacional de Saúde: participação popular sob ameaça


Em, dezembro do ano passado, o governo federal convocou nova Conferência Nacional de Saúde, para ser realizada em dezembro deste ano. O tema é “Saúde pública de qualidade para cuidar bem das pessoas”, tendo como eixo principal a afirmação “Direito do povo brasileiro”. Uma afirmação colocada cada vez mais em dúvida sob um tema da maior relevância na atualidade, quando mais de 60% da população considera a saúde como seu principal problema.

Essa será a 15ª Conferência e a oitava depois da redemocratização do país, mantendo constância admirável de uma conferência a cada quatro anos. É um marco fundamental no processo de democratização das políticas públicas do país, estimulando a participação da sociedade, conforme determina a Constituição, no artigo 198. Entendida tanto como preceito quanto como diretriz, a participação da sociedade vem se cristalizando ao longo desses 27 anos de SUS. Todas a unidades da Federação e os municípios já contam com Conselhos Estaduais e Municipais de Saúde.

O funcionamento dos conselhos ainda deixa a desejar. A instalação de muitos é feita por portaria do Executivo e não por lei, como deve acontecer. A composição, em diversos municípios, ainda é fruto de negociações e acordos para favorecer aos gestores e governantes e não representa as forças sociais locais. Noutros conselhos tem ocorrido a manipulação por segmentos específicos, como o dos trabalhadores da saúde. No entanto, é inegável a contribuição que essas instâncias de participação e controle social têm dado ao aprimoramento dos sistemas locais, estaduais e nacional de saúde.

Mas os conselhos de saúde não são as únicas instâncias e formas de participação da sociedade. Os poderes Legislativo e Judiciário, os tribunais de contas, o Ministério Público são órgãos governamentais imbuídos de funções idênticas, principalmente o Legislativo que recebe delegação explícita do povo para fazer o controle social sobre os executivos.

A grande inovação dos Conselhos de Saúde, entretanto, é a obrigação de haver a composição paritária dos membros, onde metade deles deve pertencer ao segmento de usuários dos sistemas de saúde, indicados por associações de portadores de patologias, sindicatos e associações de moradores, entre outros e os demais 50% devem representar os governos, prestadores de serviços públicos e privados e os profissionais de saúde.

Para as Conferências de Saúde, as regras impõem a mesma organização paritária e sua realização deve obedecer aos mesmos níveis nos quais se organiza o SUS — municipal, estadual e nacional (federal), devendo cada nível discutir suas necessidades e prioridades, eleger e mandar representantes para o estrato acima. Além dessas instâncias, outras formas de participação social podem ser utilizadas, como as ouvidorias, as centrais de atendimento dos usuários e a demanda direta aos órgãos de saúde por entidades e cidadãos. Ou seja, os conselhos e as conferências não são as únicas formas de manifestação popular no sistema de saúde, apenas as mais organizadas.

Como são instâncias distintas, não é compreensível o que vem ocorrendo desde 2003 (na 12ª Conferência), quando o conselho se tornou a Comissão Organizadora da Conferência e dela se apropriou, chegando até mesmo a vetar o relatório final e destituir a comissão relatora. Em 2007 e 2012 (nas 13ª e 14ª CNS), compunham a Comissão Organizadora 24 dos 48 conselheiros do Conselho Nacional de Saúde e o mesmo está se repetindo nessa que vai ocorrer no fim deste ano, quando a Resolução nº 500, do CNS, aprovou o Regimento Interno da Conferência e definiu que a comissão organizadora é constituída por 20 conselheiros do CNS. A fusão dessas instâncias pode gerar a confusão de que ambas tem as mesmas finalidades e fazem parte de um “sistema” de participação popular, que não existe. Nenhum conselho estadual está acima de qualquer conselho municipal e o Conselho Nacional de Saúde não é “cabeça” ou coordenador de um inexistente sistema de controle social na saúde.

Segundo a Lei nº 8.142, a Conferência de Saúde é periódica e deve reunir-se “para avaliar a situação de saúde e propor as diretrizes para a formulação da política de saúde nos níveis correspondentes”. O conselho tem caráter permanente e deliberativo e atua “na formulação de estratégias e no controle da execução da política de saúde na instância correspondente, inclusive nos aspectos econômicos e financeiros”. As diferenças entre as duas podem ser medidas pelo número de participantes: a realização do conjunto de conferências, das locais até a nacional, envolve mais de 150 mil participantes enquanto que cada conselho tem de 10 a 70 membros.

Como estão sendo definidas as organizações das últimas Conferências, a partir do primeiro governo do PT, em 2003, fica-se com a impressão que existe receio dos resultados da manifestação dos participantes da conferência, dito de outra forma, que há a sensação de que se está com medo do povo, havendo necessidade que o conselho tutele a conferência e controle os resultados, e mais, que se sobreponha a ela, o que revelaria inversão de valores, pois o povo está acima de todas as instâncias. É preciso libertar a conferência e a participação popular das amarras, sob pena de vermos ameaçada uma das maiores conquistas do SUS.


Por:Sylvain Levy - Médico sanitarista e psicanalista – Fonte: Correio Braziliense – Foto/Ilustração: Google/Blog

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