Alunos e professores
participam de manifestação em frente ao Palácio do Buriti
"Com orçamento
pífio, uma das melhores instituições de formação musical do Brasil sobrevive no
improviso e tem sede ameaçada pela especulação imobiliária"
Se procede a máxima de
Nietzsche de que “sem a música, a vida seria um erro”, o ensino dessa arte deveria
merecer um outro tratamento. Não é o que vemos na Escola de Música Brasília
(EMB) hoje em dia. Por ela, em suas cinco décadas de história, já passaram
grandes nomes da música brasileira, tais como os cantores Ney Matogrosso,
Cássia Eller e Zélia Duncan, o bandolinista Hamilton de Holanda, o guitarrista
Lula Galvão, o contrabaixista Jorge Helder, a flautista Beth Ernest Dias e o
violonista Jaime Ernest Dias. Mas é a formação da nova geração de alunos (e das
próximas) que está sob risco.
Atualmente, a escola padece de falta de
investimentos em infraestrutura, pessoal e manutenção de instrumentos.
Professores alegam não haver bom diálogo com a direção nem o debate necessário
para as mudanças que a Secretaria de Educação do Governo do Distrito Federal (GDF)
tenta implementar. Para completar, rumores sobre investidas do setor
imobiliário, de olho nos 41 mil m² que a escola ocupa, geram insegurança. Todo
esse quadro abala, literal e simbolicamente, a que já foi considerada a melhor
instituição de formação em música da América Latina.
A declarada crise do GDF se reflete no
orçamento do centro de ensino. O diretor da EMB, Ayrton Pisco, conta que, no
primeiro semestre deste ano, recebeu da Secretaria de Educação apenas R$ 15.455
para custear o funcionamento da escola. “E vai piorar”, afirma, referindo-se
aos R$ 10.818 previstos para o segundo semestre.
O aperto no caixa leva funcionários e
alunos da escola a caírem no improviso para levar adiante as atividades.
Professores doam amplificadores, encordoamentos e até ventiladores para as
salas de aula. Paredes viram lousas. A escola está sem o guichê de cópias e sem
sua orquestra, que atuou durante 40 anos.
Por outro lado, o diretor Ayrton Pisco
afirma que o último Curso de Verão deixou, pela primeira vez, um saldo material
positivo para a escola, que ganhou vários instrumentos. O teatro da escola,
Levino Alcântara ganhou 80 cadeiras novas e teve as 480 poltronas
trocadas.
Notícia boa, mas que se dilui diante da
necessidade orçamentária da escola, principalmente quando se fala em manutenção
e compra de instrumentos. “Uma harpa custa R$ 150 mil. Cada jogo de cordas, R$
10 mil. Precisaríamos de um orçamento dez vezes maior”, afirma o diretor.
Pisco usa um tom mais ameno: “Problemas
é fácil encontrar, mas prefiro ver o lado bom: apesar das dificuldades,
continuamos atendendo a comunidade. Temos até um aluno que já teve paralisia
cerebral!”
O descontentamento com a Secretaria não
é só pelo decadente investimento na instituição, mas pelas mudanças que vem promovendo
no funcionamento da escola, sem levar em conta as peculiaridades do ensino
musical.
Um dos pontos mais polêmicos entre a
Secretaria e o corpo docente tem sido a questão da “enturmação”. Em termos
práticos, significa definir uma quantidade de alunos por professor, como já é
feito nas escolas de ensino convencional. A regulamentação desse parâmetro na
EMB tem sido a preocupação de professores e alunos. Enquanto a direção da
escola vê nisso a oportunidade de otimizar o custo de cada aluno - transformando
as aulas individuais de canto ou instrumento, por exemplo, em aulas coletivas -
os professores defendem que isso não só derruba a qualidade do ensino como não
leva em conta a formação dos mestres.
Uma professora de violino explica que,
“para se ministrar aulas coletivas de um instrumento, há necessidade de
formação específica, o que não tem sido previsto pela Secretaria de Educação”.
“Na verdade, não somos contra mudanças. Apenas queremos discuti-las, sermos
consultados sobre elas”, explica o professor de bateria Patrício Lavener. Ele
conta que esta e outras medidas, como a mudança de nome da escola, têm
sido impostas, o que o leva a acreditar que a Lei de Gestão Democrática
(4751/12) está sendo ferida.
Divergências e sucateamento
A própria realização da última edição
do Curso de Verão esteve ameaçada por divergências entre o corpo docente e a
direção da escola quanto ao seu planejamento e organização. Mas a direção a
realizou à revelia.
O professor de contrabaixo elétrico
Oswaldo Amorin conta que cerca de 200 dos 240 professores têm subscritado os
abaixo-assinados em que expõem seus posicionamentos à direção da escola ou à
Secretaria de Educação. “A direção não está do nosso lado. A Secretaria lavou
as mãos. O Secretário não tem nos ouvido e disse não ter lido nada do que
enviamos pra ele”, indigna-se o professor, que se orgulha de ter se tornado
músico profissional por meio da própria EMB. A assessoria de imprensa do
Secretário de Educação, Júlio Gregório, informou que é o diretor Pisco que fala
sobre a escola em nome da Secretaria.
O sucateamento da EMB tem despertado
inseguranças quanto a sua própria sobrevivência. Outro professor, que também
não quis se identificar, afirma em tom de alerta: “Já ouvi depoimentos, de
dentro e de fora do GDF, sobre a existência de projetos prontos para o terreno
da escola, caso ele venha a ser disponibilizado”.
Outra parlamentar que tem assumido a causa é a deputada federal Érika Kokay (PT-DF). Ela acaba de convocar representantes das secretarias de Educação e de Cultura, professores e pais de alunos da EMB para uma audiência pública na Câmara dos Deputados, no dia 26 de outubro, com o objetivo de discutir os rumos da escola e maneiras de fortalecê-la.
Érika também tem discutido com a secretária adjunta Nanan Lessa Catalão a possibilidade de tombamento da EMB como patrimônio material do DF pela própria Secretaria de Cultura. “Temos mais de um caminho para o mesmo objetivo. O importante é lutarmos para afastar definitivamente os riscos da especulação imobiliária sobre a escola que faz parte da história, do imaginário e do orgulho da cidade”, comenta a deputada, que quer apresentar a experiência do centro de ensino para todo o país.
Tombamento pode ser solução
Esta preocupação tem chegado a agentes políticos de Brasília, que vêm
reconhecendo a importância da escola e se sensibilizado com sua atual situação.
Um exemplo disso é o projeto de lei 342/2015, de autoria da deputada distrital
Luzia de Paula (PEN), que tramita na Câmara Legislativa do Distrito Federal
(CLDF). Ele se destina a declarar a Escola de Música de Brasília como
Patrimônio Cultural material do DF.
Outra parlamentar que tem assumido a causa é a deputada federal Érika Kokay (PT-DF). Ela acaba de convocar representantes das secretarias de Educação e de Cultura, professores e pais de alunos da EMB para uma audiência pública na Câmara dos Deputados, no dia 26 de outubro, com o objetivo de discutir os rumos da escola e maneiras de fortalecê-la.
Érika também tem discutido com a secretária adjunta Nanan Lessa Catalão a possibilidade de tombamento da EMB como patrimônio material do DF pela própria Secretaria de Cultura. “Temos mais de um caminho para o mesmo objetivo. O importante é lutarmos para afastar definitivamente os riscos da especulação imobiliária sobre a escola que faz parte da história, do imaginário e do orgulho da cidade”, comenta a deputada, que quer apresentar a experiência do centro de ensino para todo o país.
Fonte: » Leonardo Fernandes especial para o Correio Braziliense – Foto: Ana Rayssa. Esp/CB/D.A.Press