A nebulosidade parece ser uma característica comum a muitos mecanismos que compõem o sistema de transporte público do Distrito Federal. Desta vez, os questionamentos quanto à legitimidade das operações foram apontados em auditoria feita pelo Tribunal de Contas do Distrito Federal (TCDF). Entre os apontamentos feitos no documento está o conflito de interesses entre o Transporte Urbano do Distrito Federal (DFTrans), as permissionárias do Sistema de Transporte Coletivo do DF e a Transdata, empresa responsável pelo Sistema de Bilhetagem Automática (SBA).
Conflito claro
Ponto de Vista
Para o advogado Pedro Henrique Braz, preliminarmente, dois princípios básicos estão sendo ignorados. “O princípio da segregação de funções decorre do princípio da moralidade, e consiste na necessidade de a administração repartir funções entre os agentes públicos, cuidando para que esses indivíduos não exerçam atividades incompatíveis umas com as outras, especialmente aquelas que envolvam a prática de atos e, posteriormente, a fiscalização desses mesmos atos”, explicou. De acordo com ele, isso requer habilidade. “A aplicação desse princípio aos processos de contratação, visualizados a partir de suas três fases (planejamento, licitação e contrato), pode ser mais complexa do que se imagina”, observou.
Outras denúncias
Não é a primeira vez que a família Constantino é alvo de suspeitas de irregularidades. O Grupo Constantino sempre esteve presente na maior parte das polêmicas que marcaram o processo licitatório. Todos os indícios surgiram na elaboração do edital, preparado pelo Consórcio Logit/Logitrans, empresa que tem como um dos diretores Garrone Reck, responsável pela defesa em várias causas do grupo Constantino, que venceu a bacia 1, por meio da Viação Pioneira, da licitação de transporte no DF.
Os sinais de irregularidades foram alvo de uma recomendação do Ministério Público do DF. Após uma série de reportagens publicadas pelo Jornal de Brasília, que denunciou as supostas ilegalidades no processo, o MPDFT recomendou que o GDF, por meio da Secretaria de Transportes, revogasse a decisão que habilitou a empresa Viação Piracicabana a participar do certame. Contudo, a recomendação foi ignorada e a empresa foi a ganhadora da licitação da bacia 1.
Com o resultado da licitação, grupos economicamente ligados, segundo a recomendação, foram os vencedores de dois lotes. Piracicabana, da bacia 1, e Pioneira, da bacia 2, são controladas pela família Constantino, como o JBr já mostrou, e o MP reiterou. Ou seja, o transporte público do DF continuará nas mãos dos mesmos empresários que controlam o sistema há anos.
Muitos indícios de irregularidades
A identificação do vínculo familiar entre as empresas que operam o sistema de bilhetagem e as que controlam parte da frota de ônibus do DF parece ter sido uma preocupação prévia. Prova disso foi a tentativa de saber quem eram os verdadeiros sócios da Transdata. Para isso, foram criadas sucessivas sociedades com participações em outras empresas. Outra possível artimanha foi a combinação dos endereços vinculados às cinco empresas, como se elas funcionassem em apenas dois locais.
Omissão
Segundo a auditoria do TCDF, fica claro que as atividades exercidas pela Transdata podem trazer conflito de interesses entre o DFTrans e as empresas permissionárias do transporte público no DF. Por esse motivo, segundo o órgão, a contratação não está condizente com o funcionamento desejado dos serviços do SBA.
A auditoria também ressalta a omissão do DFTrans quanto à fiscalização da contratação da Transdata pela Fácil. O evidente cenário de irregularidades vem sendo negligenciado pelo DFTrans.
Anulação é a solução
Para o especialista em Administração Pública José Matias-Pereira, a auditoria deve ser entendida como um forte indício de irregularidade. “Na administração, quando se tem uma auditoria em tamanha proporção, é preciso uma investigação detalhada. Nesse caso, se comprovada a existência da mesma empresa nas duas atividades, o ideal seria desclassificá-las”, diz.
Ele explica que, diante do cenário repleto de sinais que remetem a irregularidades, o usuário do transporte público é a principal vítima. “Além disso, quando um mesmo grupo detém tanto poder, é como se você pedisse para a raposa tomar conta do galinheiro”, compara o especialista.
Transdata nega obter vantagem
Por meio de nota, a Transdata informou que não teve acesso ao mencionado relatório do TCDF nem recebeu qualquer notificação deste órgão para se pronunciar. No texto, a empresa ressalta que tem 19 anos de atuação no desenvolvimento de sistemas de automação, utilizados em 170 cidades no Brasil, além de Argentina e Colômbia.
Na nota, a empresa ressaltou que apenas desenvolve o sistema de bilhetagem eletrônica, mas não tem poder de acessar os créditos de passagens, que são protegidos por criptografia, e acessados somente mediante assinatura eletrônica exclusiva dos órgãos governamentais de transporte - no caso, o DFTrans.
A empresa afirmou que atua como os fabricantes de caixas eletrônicos dos bancos: desenvolve o equipamento e o software de operação, mas não tem acesso às contas de cada correntista. Da mesma forma que somente os correntistas de bancos têm acesso a suas contas, que são protegidas por senhas, a Transdata e as empresas operadoras de transporte de passageiros também não têm acesso aos créditos de bilhetes eletrônicos, gerenciados somente pelo governo.
A empresa esclareceu que não há nenhum de "conflito de interesses" no fato de a Transdata ter entre seus investidores capitalistas uma holding cujo sócio majoritário é Pedro Constantino - que, por sua vez, não tem nenhuma ligação acionária com as empresas de transporte de outro ramo da família Constantino.
Por fim, a empresa afirmou que o investimento de Pedro Constantino jamais significou vantagem alguma para a Transdata junto a empresas de outro ramo da família Constantino nem destas junto à Transdata. Mais de 90% dos clientes da Transdata são empresas de outros grupos. E muitas empresas de transporte da família Constantino não utilizam sistemas da Transdata.
A reportagem entrou em contato com a Cidade Brasília, Pioneira, Satélite e Planeta, que compartilham o mesmo telefone para contato, mas até o fechamento da edição não teve os questionamentos respondidos. Da mesma forma, o DFTrans não enviou resposta até o fechamento da edição.
Fonte: Da redação do clicabrasilia.com.br