Por: Klécio Santos
Mesmo enclausurados em celas inferiores a 10 metros quadrados, José Dirceu e Roberto Jefferson, presos ilustres do mensalão, continuam influentes nos seus partidos. Nunca deixaram de ter poder no Congresso e no governo, onde seus aliados atuam em postos-chave. Da prisão, Dirceu e Jefferson seguem ativos no controle do PT e do PTB.
É Dirceu quem age de forma mais explícita. Embora divida seu tempo com faxinas e resenhando livros da biblioteca, o ex-ministro vem intensificando articulações. As visitas de parlamentares se tornaram rotina no Complexo da Papuda, em Brasília, e até uma sindicância foi aberta para investigar se o petista teria falado ao celular.
Sua intensa movimentação chamou a atenção do Ministério Público do Distrito Federal, que pediu rigor à Vara de Execuções Penais na apuração de supostas “regalias” a presos do mensalão.
Dirceu parece não se importar, faz parte da estratégia de exibição de poder. O mesmo já demonstrado junto à militância com a bem-sucedida “vaquinha” para quitar multa de R$ 970 mil estipulada pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Com o ânimo renovado após ser absolvido pelo crime de formação de quadrilha, o ex-ministro aposta que alcança o regime aberto ainda antes das eleições de outubro, mas o PT pretende deixá-lo apenas nos bastidores, longe dos palanques.
— Ele está tranquilo e tão forte que já faz planos para retomar suas atividades partidárias — garante o deputado federal Paulo Ferreira (PT-RS), um habitué da Papuda.
Ferreira não está sozinho. Dos 81 parlamentares petistas, 70 são fiéis ao ministro. Sua defesa no PT extrapola correntes. Um dos seus maiores aliados ocupa a vice-presidência da Câmara, André Vargas (PT-PR), que não se encabulou em quebrar o protocolo, em plenário, para constranger o ministro Joaquim Barbosa repetindo o gesto do punho erguido usado por Dirceu ao ser preso.
Dilma Rousseff bem que tentou esvaziar a influência do companheiro na Esplanada e em órgãos como a Petrobras. O ex-ministro, contudo, mantém apadrinhados em setores vitais como energia, transporte, fundos de pensão e, mais recentemente, na Empresa Brasileira de Comunicações (EBC), a agência de notícias que se transformou em um feudo de Dirceu. Calcula-se que o ex-ministro ainda controle cerca de mil cargos na máquina do governo, do primeiro ao terceiro escalão.
Nos últimos tempos, Dirceu vem regionalizando e ampliando sua influência. Emplacou nomes nos governos petistas da Bahia e do Distrito Federal. A amizade com o governador do DF, Agnelo Queiroz (PT), pesou inclusive na escolha da Papuda para cumprir a pena — dois diretores já caíram, contrariados com as regalias. Uma prova de que Dirceu não perdeu a pose em Brasília foi a nomeação, em 2013, de sua namorada, Simone Patrícia Tristão Pereira, para uma assessoria no Congresso, com salário de R$ 12, 8 mil.
O segredo que assegura lealdades
Do exílio no sítio em Levy Gasparian (RJ) à prisão em Niterói (RJ), Roberto Jefferson mantém o PTB nas rédeas graças a um segredo jamais revelado: para quem foram entregues os R$ 4 milhões recebidos do PT para apoiar o governo Lula após as eleições de 2002? Jefferson oferece lealdade dos seus pares e exige reciprocidade.
Ele comandou o partido por quase uma década e saiu de cena em 2013, deixando o vice Benito Gama (BA) no comando para não atrapalhar os planos do PTB no governo Dilma – ou seja, para não perder cargos. O primeiro a ser nomeado com a manobra foi o próprio Benito, que ganhou uma vaga no Banco do Brasil e pode ser nomeado ministro na reforma que está em curso. De quebra, a legenda fechou apoio à reeleição de Dilma e ao PT na Bahia.
Assim como Dirceu, Jefferson também buscou alternativas regionais para ampliar seu poder. Conta com aliados no governo de Geraldo Alckmin (PSDB), em São Paulo, e na prefeitura do PMDB do Rio, onde a filha Cristiane Brasil, vereadora eleita, ganhou uma secretaria. A filha de Jefferson também controla o PTB Mulher e as verbas de marketing da legenda. Sua campanha em 2010 foi uma das mais caras do Rio (receita de R$ 863 mil), grande parte (R$ 850 mil) custeada pelo partido.
A interlocução hoje da legenda com o Planalto ocorre por meio de Benito Gama e do líder na Câmara, Jovair Arantes (GO). Jefferson continua agindo nas sombras com pragmatismo, tendo à frente uma bancada pequena, mas influente no Senado. Não à toa, em meio à aproximação do PTB com o governo Dilma, Jefferson baixou a bola durante o julgamento, entrando em divergência com a linha de defesa do advogado Luiz Francisco Corrêa Barbosa, o Barbosinha, que acusava Lula de ser o chefão do mensalão. O advogado renunciou, mas não atribui a mudança de postura de
Jefferson ao namoro com o governo. Fato é que, um mês depois, Benito foi nomeado no BB.
— De lá para cá, nos vimos duas vezes, continuamos amigos. Agora, uma coisa é certa: não tenho dúvida de que ele ainda detém a influência no PTB. É o presidente, só está licenciado — diz Barbosinha.
Apesar de a vida ter lhes pregado lições, Jefferson e seu adversário, Dirceu, continuam vivendo a profecia do próprio petebista ao citar a obra medieval Carmina Burana em um dos depoimentos à época:
— O curioso é como as peças e os atores se modificam. Ora nós estamos em cima, com a fortuna; ora, embaixo, com ‘desinfortúnio’ (sic).
Jefferson e Dirceu, contudo, jamais deixaram de ter poder, até mesmo quando desempenharam o papel de bufão da ópera.
Para fugir de caciques, saída é formar siglas
Caue Fonseca
Das principais casas legislativas à mais insignificante das legendas, passando agora até pelas penitenciárias, o sistema político brasileiro padece com o excesso de poder dos caciques partidários, como Roberto Jefferson e José Dirceu. Pois se é assim, proliferem-se as tribos.
Criar um partido novo tem sido a saída buscada por líderes com dificuldade de ascensão em legendas já estabelecidas. O curioso é que, formada a sigla, novamente o dono do cocar é mais importante do que as diretrizes partidárias. Em um sistema assim, as agremiações acabam sufocadas por seus donos e não desenvolvem democracia interna, que poderia torná-las mais vivas e próximas da socidade.
— Veja a Marina Silva (PSB). Mesmo com 20 milhões de votos, ela bateu de frente com um cacique, o tal (deputado federal) José Luiz Penna. Descobriu que o PV não é partido e nem é verde — exemplifica o cientista político da UNB, David Fleischer.
Brigada com o PV, Marina tentou voo solo, mas fracassou na montagem da Rede. Diferentemente dos recém criados PROS e Solidariedade. Mais uma vez pouco importa o que os novos partidos defendem, mas sim “pertencerem” respectivamente, aos irmãos Cid e Ciro Gomes, rompidos com o PSB, e Paulinho da Força, que deixou o PDT para criar uma sigla ligada à Força Sindical.
— As últimas decisões da Justiça colaboraram para isso: os partidos são donos dos mandatos, mas os parlamentares podem migrar para uma sigla recém criada. Com isso, as legendas se proliferaram – avalia o professor de Ciência Política da USP, Bruno Wilhelm Speck.
Speck cita ainda a influência do fundo partidário. A bolada anual de R$ 294,1 milhões (valor de 2013) repartida pelas 33 legendas vai diretamente para os diretórios nacionais, o que dificulta o surgimento de lideranças independentes das cúpulas. Fundar um partido próprio também é o caminho mais rápido para receber financiamento.
O acesso ao fundo vem sendo questionado pelas legendas antigas. Um dos caciques mais longevos do país, o deputado federal Roberto Freire (PPS-SP) trabalha em um projeto que permitiria o acesso das novas siglas à verba somente após a primeira eleição, conforme o desempenho nas urnas.
— Novos partidos são da democracia, mas é preciso que eles demonstrem representar
anseios da sociedade — avalia Freire.
anseios da sociedade — avalia Freire.
Nem nas menores siglas trata-se de um valor desprezível. Levy Fidelix, o candidato do aerotrem, recebeu R$ 1,36 milhão em nome do PRTB em 2013. José Maria Eymael, o democrata cristão, R$ 1,02 milhão à frente do PSDC. O que mostra que, no Brasil, para ser cacique, liderar índios é o menos importante.