Carlos Chagas
Começa na próxima semana o período de propaganda eleitoral gratuita, que se estenderá até a véspera das eleições de 5 de outubro. Os detalhes foram anunciados pelo Tribunal Superior Eleitoral: segundas, quartas e sextas-feiras, duas vezes, ao meio-dia e às oito da noite, espaço para os candidatos à presidência da República e à Câmara dos Deputados. Terças, quintas e sábados, no mesmo horário, tempo para os candidatos a governador, às Assembléias Legislativas e ao Senado Federal. Aos domingos, descansarão todos, eles e nós.
Quando iniciado esse singular período de promoção dos candidatos, ainda nos tempos da ditadura militar, poucos imaginavam seu potencial devastador não propriamente favorável aos candidatos, mas contra os detentores do poder. Estavam proibidas as eleições diretas para presidente da República, para governador e boa parte dos prefeitos, sobrando essa forma de diálogo entre candidatos e eleitores para quem fosse disputar cadeiras na Câmara, no Senado e nas Assembleias.
O país estava tão saturado de arbítrio e de prepotência, e os governantes tão imbuídos de empáfia e autoritarismo, que permitiram aos candidatos dar seus recados pelas telinhas e microfones. Como vivêssemos o bipartidarismo forçado, das legendas do “sim”, a Arena, e do “sim senhor”, o MDB, da ordem de 4 por 1, impunha-se a supremacia flagrante para a escolha dos deputados. No ano da disputa de apenas uma vaga por estado para senador, nas únicas eleições majoritárias que haviam sobrado pelo voto direto, por descuido dos militares, sem maiores restrições na apresentação dos candidatos, em 20 estados ganharam 16 do MDB.
Não se tratava dos grandes líderes oposicionistas, pois cautelosos e matreiros como eram, eles preferiram disputar a Câmara dos Deputados. Ulysses Guimarães, Tancredo Neves, Amaral Peixoto e tantos outros saltaram de banda, certos de que o rolo compressor do governo os derrotaria para o Senado. Assim, com certa malícia, estimularam políticos em início de carreira ou sem tradição no partido, como Orestes Quércia, Itamar Franco, Roberto Saturnino, Marcos Freire, Paulo Brossard e outros. Resultado: a vitória de 16 deles contra luminares do partido do governo, como por exemplo Carvalho Pinto e Djalma Marinho.
Foi um pandemônio entre os militares. Se a oposição elegera um em cada estado, por conta da propaganda no rádio e na televisão, dali a quatro anos elegeria dois, fazendo ampla maioria no Senado. Essa tendência se estenderia para os candidatos à Câmara, e o resultado poderia ser a vitória de seus adversários na escolha indireta para presidente da República, pelo Congresso que não mais dominariam. De imediato prevaleceu a moda de mudar as regras do jogo depois dele começado, sempre que se abria a hipótese de perdê-lo. O ministro da Justiça era Armando Falcão, o chefe da Casa Civil, Golbery do Couto e Silva, e o presidente da República, Ernesto Geisel. Logo engendraram a forma para não sair derrotados. Baixaram uma série de casuísmos execráveis, bastando publicá-los no Diário Oficial para torná-los lei.
Além da criação dos senadores indiretos, escolhidos pelo palácio do Planalto e não pelo voto, estabeleceram a famigerada “Lei Falcão”, que proibia a propaganda pessoal dos candidatos pelos meios de comunicação. Podiam aparecer no rádio e na televisão, mas só por meio de uma fotografia e de um locutor que lhes referisse nome e número. Nada de suas ideias, de suas críticas e de suas propostas, como se dera nas eleições anteriores. A consequência foi a continuidade da vitória dos candidatos governistas por mais alguns anos, até que a ditadura se dissolvesse como sorvete exposto ao sol. É claro que o esgotamento do regime castrense aconteceu por exaustão nacional.
A propaganda eleitoral gratuita permaneceu, modificada ao tempo em que voltou a liberdade para a exposição de propostas, críticas e ideias, mas fatores novos viram-se incluídos na realidade nacional. Primeiro os gastos excessivos que transformaram os programas eleitorais em produções cinematográficas parecidas com Hollywood, com a presença de atores, cantores e artistas de toda espécie, onde o candidato era apenas um detalhe. Prevaleceu o bom senso, proibindo-se firulas, mas não por inteiro. Até hoje o que deveria ser apenas uma câmera e um banquinho, além de um candidato dizendo a que vem, assemelha-se a um espetáculo pirotécnico. O povo, que não é bobo, foi ficando cansado da encenação, das mentiras e das promessas vãs, impossíveis de concretizar-se.
Com o aumento do número de vigaristas travestidos de candidatos, a exposição de suas falcatruas e a vigilância sempre maior dos meios de comunicação, foi caindo a audiência radiofônica e televisiva dessas produções enganosas. Encerra-se um ciclo, se alguém imagina a hipótese de influenciarem, como antes, a decisão pelo voto do eleitorado. Melhor desligar os aparelhos e monitores quando começar a chatice. Ou, pelo menos, ir à cozinha tomar um cafezinho…